25 de maio de 2003

Em frente a esse prédio que eu moro (do qual estou me despedindo, dessa vez, pra sempre) existe uma pedra côncava, cercada por prédios e que cerca uma escola publica. Essa pedra, por incrível que pareça e apesar da distância era o começo do morro que só 4 avenidas depois desponta em Copacabana hoje em dia. É uma área verde, um oásis em meio à loucura urbana desse bairro formigueiro humano.
Nesta Pedra mora uma amiga, grande, antiga, que sempre está lá me olhando, protegendo meus olhos do lado de trás da pedra, reinando sobre suas irmãs, balançando com o vento quando a tarde cai e anuncia a chuva, servindo de morada para uns poucos macacos, para os gatos domésticos que caçam esses macacos (por esporte apenas), para um gavião imenso que teima em voar ao lado dos pombos como um imponente turista, e para os meus morcegos tenores, que de dia se refugiam em seus galhos e folhas e gritam à noite tangenciando minha janela quando voam arborizando, fertilizando a terra.
Essa Pedra está em diversas escrituras como do Estado, mas depois da mudança da capital (e o fim do estado da Guanabara) não se sabe exatamente se ela é do estado do Rio, da Prefeitura, mas sabe-se que ela ao é uma propriedade particular. E por anos, uma moradora que seu apartamento tem uma entrada pra ela sempre cuidou dela como se em seu quintal fosse uma pequena reserva florestal. Combateu junto com os vizinhos em associação (eu junto inclusive) a transformação desse local em garagem, ginásio para o colégio, prédio residencial... A alguns anos ela morreu, e o apartamento foi fechado. Recentemente vendido para uma infeliz desavisada que contratou uma firma para “podar” minha amiga. A poda, segundo a Patrulha Ambiental que eu chamei com outro vizinho, e que presenciei enquanto assistia assustado pela minha janela a mutilação da minha amiga, que deveria seguir a norma do Maximo de 30%, passou dos 40% e só não passaria mais se eu e ele não tivéssemos chamado meio mundo para intervir. Triste era ver que o fiscal da patrulha conhece o coordenador da empresa, que conhece a fiscal do Parque e Jardins, que conhece o arquiteto da corretora do prédio do apartamento vendido da infeliz, enfim, que tudo é uma grande fachada corporativista na nossa frente, e que a tala avaliação que será feita dará em pizza. Enquanto isso, com seus troncos no chão, minha amiga ainda dança na brisa seu balé diário, já sem o mesmo vigor mas ainda me conforta, que nesses anos todos, quando, deprimido, procurava conforto olhando para sua copa, ela fez o máximo que podia por mim, e eu, guerreiro da natureza com as armas de minha mente e emoção, fiz o que pude por ela. Receio não mais vela quando sair daqui, mas quando abro a janela e nos olhamos, ela continua bailando ao sabor do vento “está tudo bem... está tudo bem”