16 de julho de 2003

"... Às vezes uma idéia se impõe à força. Por Exemplo: pensar dia e noite, uma idéia se impõe à força. Por exemplo: pensar dia e noite, ininterruptamente, na lua. Pois também eu tenho minha lua. Uma idéia fixa me domina, dia e noite: tenho que escrever tenho que escrever tenho... Nem bem terminei um romance, já devo, não sei por quê, começar outro, depois um terceiro, após o terceiro o quarto... Escrevo sem dar trégua, sem interrupção, de outro modo não posso. Pois então, o que há de tão maravilhoso e risonho nisso? - eu lhe pergunto. A vida é uma corrida selvagem! Agora estou aqui em sua companhia, estou agitado, e, no entanto, a todo instante passa pela minha cabeça que uma novela inacabada está à minha espera. Vejo, por exemplo, aquela nuvem. Parece um piano. E penso: devo mencionar em alguma parte de um conto que uma nuvem que lembrava um piano passou por mim... Sinto o perfume de heliotrópio. Logo minha mente registra: odor nauseante, flor-de-viúva, devo mencioná-lo ao descrever uma noite de verão. Caço cada frase ou palavra sua, e minha também, e me apresso a guardar essas frases e palavras o quanto antes em meu armazém literário: quem sabe me sirvam para algo um dia! Quando termino o trabalho, vou correndo ao teatro ou à pescaria; gostaria de descansar, de esquecer tudo - mas não; em minha cabeça já está começando a dar voltas outra pesada bala de canhão: o novo tema já me arrasta à mesa, e novamente tenho de escrever, escrever... E é assim sempre, sempre, eu mesmo não me dou sossego, sinto que devoro a minha própria vida, que coleto o pólen das mais belas flores para o mel que atirarei a esmo, e enquanto isso arranco as flores também e esmago as raízes. E então, não sou um louco? Por acaso meus amigos e conhecidos me tratam como uma pessoa sensata? “O que está escrevendo? Com o que vai nos presentear? Sempre o mesmo, sempre o mesmo, e parece que toda essa atenção, esses louvores e arroubos, tudo, não passam de trapaça, iludem-me como a um doente às vezes temo que, furtivamente, acerquem-se de mim pelas costas, me agarrem e me arrastem para um manicômio, como fizeram com Poprichtchin*. E naqueles anos – os melhores da minha mocidade -, quando me iniciei na literatura, escrever para mim era puro martírio. O escritor novato, principalmente se não tiver sorte, se considera um desastrado, desajeitado, um supérfluo, e seus nervos surrados se mantêm sob tensão constante, passa o tempo vagando pelos círculos ligados à literatura e às artes, sem que seja aceito ou sequer notado, temer encarar as pessoas de frente, tal qual um jogador viciado, que está sem dinheiro. Eu não via meu leitor, mas por alguma razão, sempre o imaginava pouco amistoso ou desconfiado. Sentia medo do público, e toda vez que chegava o memento de apresentar uma peça nova tinha a sensação de que os morenos me eram hostis e os louros friamente indiferentes. Oh, como isso é terrível! Que tormento!”

Trigorin à Nina - Segundo ato
A Gaivota (comédia em quatro atos)
A. P. Tchekhov 1896

Nota do digitador: Poprichtchin é o herói do conto Diário de um louco de Gogol