30 de novembro de 2013

É de toda a arte que seria preciso dizer: o artista é mostrador de afetos, inventor de afetos, criador de afetos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz transformarmos com eles, ele nos apanha no composto.  DELEUZE 2005

Sofre o ator que se preocupa em “chegar a certa emoção”. Lógico, cada um tem seu caminho, sua forma, seu método...  Mas se o teatro hoje não tem incentivos para concorrer com outras artes midiáticas que são mestras em “representar a realidade”, ou mais, se “representar a realidade” é um ato de se concordar com o que aqui está,  a falida política vigente de opressão velada, que se diz apolítica, então só é arte anárquica àquela que corre por outro caminho.

Qual outro caminho? Não sei, até aqueles que se dizem “contemporâneos” ocasionalmente se rendem também ao sistema, dispostos a se sustentar, enquadrar seus projetos em leis de incentivo fiscais absurdas e desumanas... Por uma questão de sobrevivência.

Pensando bem, sempre acreditei que a mudança vem de dentro e não de fora, tentando se empurrar algo em cima do que ai esta. Mas também não sei se só mudar alguns detalhes hoje em dia basta. Percebo que se torna pouco ousado, pouco renovador.

Mas ainda sim – não sei se para o publico em geral, mas pelos para alguns espectadores, artistas performáticos e para mim - o teatro transforma. Seja o must do “contimporaneu”, seja o dito teatrão com escapes visuais e truques de ilusionismo, ainda sim, com a presença do ator (e só não uma ilusão de ótica somente projetada numa tela (sic)) ainda sim isso de fato me transforma, especialmente porque sou absolutamente cara de pau de ir conversar e sentir os atores após quaisquer espetáculos.

Outro dia quando um espectador agradeceu um ator pelo espetáculo que assisti, por um segundo eu também quase disse “de nada”. Está tão empregado em mim o trabalho sobre a minha senciência, sobre a minha capacidade de sentir, que me considero parte do espetáculo, mesmo somente como espectador. Quase ou parecido com “espectador emancipado”, como propõe/analisa/ensaia (sei lá o termo) o Rancière:  Que de faço pertenço ao espetáculo.

 Alias, isso também se dá na frente da lente. Levei o teatro, regulando devidamente sua dimensão para o mais minimalista dos fazeres, para o trabalho para câmera. Tornei aquele pequeníssimo espaço um palco.
Não fiz nada demais, muitos fizeram e fazem isso. De fato para mim, independente da linguagem, estilo, forma, mídia, local, veículo, a arte do ator é se deixar transformar pelo mundo ao seu redor.  É essa vivência, essa entrega. Por isso que duvido do status de celebridade de um modo geral. Não que um artista não possa ser celebre, há muitos mas a celebridade que ai está sustenta o status quo, normatiza, atesta, impõe o sistema que ai está. Ele não convida, não instiga debates, não propõe possibilidades a partir de sua afetação com o mundo em suas muitas faces, apenas a que precisa ser vendida.
Talvez não a celebridade, mas o sistema que regula a celebridade, não posso falar de dentro do status de celebridade, pois não o vivenciei plenamente, apenas convivi. Mas é desse sistema que falo contra quando o ator tem que se sensibilizar, se deixar alterar e vivenciar a cena, pois esse sistema do falso conforto e da falsa liberdade, vulgariza a vivencia, impede o questionamento, repudia a dúvida, recrimina o erro, descarta a alteridade.
Sei lá, viajei. Queria falar sobre ação em detrimento da reprodução e acabei desviando o assunto. E acabei falando sobre outro tipo de resistência que não só à relacionada ao trabalho do ator... Ou talvez sim. Sei lá.

Leia algo sério e melhor sobre isso:

Conservar e resistir difere radicalmente de fixar um referente e reproduzir. A arte inspira-se no vivido, nas relações dos corpos, nas afecções e nas percepções para extrair afectos e perceptos. Os seres de sensação, ao se conservarem, abrem-se para a produção de novos devires, novas possibilidades de existência. A arte resiste ao desterritorializar o sistema de opinião, talhando fendas no guarda-sol que nos protege do caos. Ela é contraponto que vence a opinião e extrapola o vivido. Arte-fabulação, cujos os seres de sensação, seres de fuga tornam-se traços de expressão possibilitando a metamorfose, já que inventam novos mundos, compõem universos capazes de rasgar os significados, “estourar as percepções vividas”, percorrer direções e sentidos diferentes. No momento em que fixa um só sentido, buscando a significação e a informação, a arte perde o seu poder de existir e resistir. LINS 2007