É de toda a arte que
seria preciso dizer: o artista é mostrador de afetos, inventor de afetos,
criador de afetos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é
somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz
transformarmos com eles, ele nos apanha no composto. DELEUZE 2005
Sofre o ator que se preocupa
em “chegar a certa emoção”. Lógico, cada um tem seu caminho, sua forma, seu
método... Mas se o teatro hoje não tem
incentivos para concorrer com outras artes midiáticas que são mestras em
“representar a realidade”, ou mais, se “representar a realidade” é um ato de se
concordar com o que aqui está, a falida
política vigente de opressão velada, que se diz apolítica, então só é arte
anárquica àquela que corre por outro caminho.
Qual outro caminho? Não sei,
até aqueles que se dizem “contemporâneos” ocasionalmente se rendem também ao
sistema, dispostos a se sustentar, enquadrar seus projetos em leis de incentivo
fiscais absurdas e desumanas... Por uma questão de sobrevivência.
Pensando bem, sempre
acreditei que a mudança vem de dentro e não de fora, tentando se empurrar algo
em cima do que ai esta. Mas também não sei se só mudar alguns detalhes hoje em
dia basta. Percebo que se torna pouco ousado, pouco renovador.
Mas ainda sim – não sei se
para o publico em geral, mas pelos para alguns espectadores, artistas performáticos
e para mim - o teatro transforma. Seja o must
do “contimporaneu”, seja o dito teatrão com escapes visuais e truques de
ilusionismo, ainda sim, com a presença do ator (e só não uma ilusão de ótica
somente projetada numa tela (sic)) ainda sim isso de fato me transforma,
especialmente porque sou absolutamente cara de pau de ir conversar e sentir os
atores após quaisquer espetáculos.
Outro
dia quando um espectador agradeceu um ator pelo espetáculo que assisti, por um
segundo eu também quase disse “de nada”. Está tão empregado em mim o trabalho
sobre a minha senciência, sobre a
minha capacidade de sentir, que me considero parte do espetáculo, mesmo somente
como espectador. Quase ou parecido com “espectador emancipado”, como
propõe/analisa/ensaia (sei
lá o termo) o Rancière: Que de faço
pertenço ao espetáculo.
Alias, isso também se dá na
frente da lente. Levei o teatro, regulando devidamente sua dimensão para o mais
minimalista dos fazeres, para o trabalho para câmera. Tornei aquele
pequeníssimo espaço um palco.
Não fiz nada demais, muitos
fizeram e fazem isso. De fato para mim, independente da linguagem, estilo,
forma, mídia, local, veículo, a arte do ator é se deixar transformar pelo mundo
ao seu redor. É essa vivência, essa
entrega. Por isso que duvido do status de celebridade de um modo geral. Não que
um artista não possa ser celebre, há muitos mas a celebridade que ai está
sustenta o status quo, normatiza,
atesta, impõe o sistema que ai está. Ele não convida, não instiga debates, não
propõe possibilidades a partir de sua afetação com o mundo em suas muitas
faces, apenas a que precisa ser vendida.
Talvez não a celebridade, mas
o sistema que regula a celebridade, não posso falar de dentro do status de
celebridade, pois não o vivenciei plenamente, apenas convivi. Mas é desse
sistema que falo contra quando o ator tem que se sensibilizar, se deixar
alterar e vivenciar a cena, pois esse sistema do falso conforto e da falsa
liberdade, vulgariza a vivencia, impede o questionamento, repudia a dúvida,
recrimina o erro, descarta a alteridade.
Sei lá, viajei. Queria falar
sobre ação em detrimento da reprodução e acabei desviando o assunto. E acabei
falando sobre outro tipo de resistência que não só à relacionada ao trabalho do
ator... Ou talvez sim. Sei lá.
Leia algo sério e melhor
sobre isso:
Conservar e resistir
difere radicalmente de fixar um referente e reproduzir. A arte inspira-se no
vivido, nas relações dos corpos, nas afecções e nas percepções para extrair
afectos e perceptos. Os seres de sensação, ao se conservarem, abrem-se para a
produção de novos devires, novas possibilidades de existência. A arte resiste
ao desterritorializar o sistema de opinião, talhando fendas no guarda-sol que
nos protege do caos. Ela é contraponto que vence a opinião e extrapola o
vivido. Arte-fabulação, cujos os seres de sensação, seres de fuga tornam-se
traços de expressão possibilitando a metamorfose, já que inventam novos mundos,
compõem universos capazes de rasgar os significados, “estourar as percepções
vividas”, percorrer direções e sentidos diferentes. No momento em que fixa um
só sentido, buscando a significação e a informação, a arte perde o seu poder de
existir e resistir. LINS 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário