13 de julho de 2007

“A luz está apagada. Na platéia, o espectador se aquieta. Seu calar, sua predisposição a ser bombardeado por um simulacro de vida está para começar. A única luz que acende é a de seu aparelho móvel, para logo, logo apagar-se. Ele não está mais disponível para ser achado em qualquer lugar por um satélite artificial em órbita terrestre. Um terceiro sinal toca, a peça está para começar. A luz acende. Acende ou ascende? O espectador se assusta. Ele não reconhece o que está na sua frente. É amórfico. Não é nada. Ou talvez seja, mas se é alguma coisa, é tão rápido que chega ser imperceptível ao olho humano. O espectador fica aflito, seria melhor se a luz estivesse apagada. O espectador se mexe, inquieto na cadeira, tentando identificar naquilo, algum sentido, algum propósito. Racionalizando, especulando...”
“E por um breve e precioso segundo, ele percebe, de forma abstrata, algo ali que lhe é estranhamente familiar. Algo que ele já foi, ou será, ou talvez seja... E se questiona como isso é possível. O espectador não entende, mas passa a observar. Agora ele gostaria que a luz estivesse mais potente. “Luz, mais luz” ele pensa. E essa invocação é atendida. Naquele momento, todas as luzes do teatro estão acesas. Todas. Inclusive e principalmente as de saída de emergência. O espectador percebe que ele está em cena, junto com aquilo ali que está em sua frente, no palco. É sobre ele que aquele veículo de alegorias e simbolismos, flutuante e inconsistente, está falando. Ou sobre algo dele, algo que agora está em plena luz. São improvisos, monólogos, comédias, clássicos, rock´n´roll brazuca, religião, auto-ajuda, poéticas, “distanciamento”, performances, sofrimento em dança... Tudo aquilo que o espectador julgava, antes de morrer e renascer à luz do teatro não existir em si mesmo. E que mesmo sob a própria luz, ainda julgue se é que existe em si. O espectador está tão exposto nesse momento que ele questiona até se julga alguma coisa. Será ele tão amorfo quanto aquilo que está no palco? E como viver com essa angústia, naquele mundo fora do teatro? Será que o mundo fora do teatro é o mundo real? Ou será que ali, naquele local, esteja uma possibilidade do mundo ? O mundo está girando? A galáxia? O universo? A co-presença corporal ator-espectador está girando vertiginosamente?”
“De repente, novo susto para o espectador. Todas as luzes se apagam. Ou quase todas. Aquela primeira luz ainda está lá. O ser amorfo some quando esta ultima, por fim, se apaga. Novamente a luz retorna. É um ator que está no palco. Ele está cansado. Suado. E ele se choca. O espectador não está mais lá... Ele desce do palco, aflito. Procura de forma desesperada o espectador. Não houve aplausos. O ator não sabe se o espectador gostou. Não sabe se tudo que ele viveu surtiu algum efeito. Não houve agradecimento, crítica, sorriso, indiferença, conselho, vaia, choro, nada. O ator, desamparado, percebe muito rapidamente que a poltrona onde o espectador está diferente. Ela está marcada em volta, como se alguém houvesse ficado sentado ali por muito tempo. Intuitivamente, ele olha para o seu banquinho no palco. Ele está molhado de suor. O ator percebe que ambos, ele e espectador, ocuparam espaço, modificaram o mundo ao seu redor, se modificaram. Então, ao se mover ao acaso, o Ator então percebe por um breve instante algo espetacular para ele. Um feixe de luz partiu de sua poça de suor sobre o banquinho em direção á poltrona marcada. Foi muito rápido, mas o ator viu. Sorrindo, resolve bater palmas.”