23 de outubro de 2008

O Rei da Vela: “Somos uma bancada de Abelardos”
Peça de Oswald de Andrade há ser apresentada em forma de leitura dramatizada por ocasião do evento: "um dia de Teatro Oficina", evento do núcleo produção do da Escola de Artes Cênicas da UniverCidade no Teatro da Unidade Ipanema

"Quando me foi confiada a responsabilidade de dirigir a leitura do evento do Teatro Oficina de São Paulo, fiquei tentado abuscar outro texto do grupo que fosse marcante nesses 50 anos. Fugir do Rei da Vela me parecia a escolha mais lógica: Desde que entrei pra faculdade ouço os alunos reclamando que se trata de um texto chato. E, mal ou bem , a obra de Oswald foi um marco muito grande e essa é a apenas minha segunda experiência em direção de uma leitura. Tinha todos os motivos para não fazer, como diz o protagonista Abelardo I: "O autor não ia ligar".

Inquieto, pois adoro me provocar, reli o texto (já o conhecia e há um ano havia estudado-o nas instigantes aulas do Prof. André Gardel) e fiquei mais assustado ainda. ‘Vou matar os alunos de tédio’ pensei. A peça me remete a um lugar meu bem profundo, uma  época em que eu era ativista estudantil, fazia passeatas pelo direito do jovem de 16 anos votar, participava de grêmios , da AMES, era membro da OJL e até acreditava na luta armada. Usava a camisa do Lula/Luta, apesar de querer o Nelson Freire como presidente. E depois joguei tudo pro alto quando fui estudar pro vestibular de desenho industrial. Vi o Muro de Berlim cair e anos mais tarde virar um lindo filme chamado "Adeus Lênin". Vi os meus colegas dois anos mais novos de “caras pintadas” derrubarem o Presidente Collor, insuflados pela mesma maquina de mídia que o havia botado no poder. Como fazer isso chegar aos meus colegas atores ou mesmo na platéia se em mim já haviam se passado quase 20 anos? Outra: Desde a montagem histórica em 1968 dirigida pelo José Celso Martinez Corrêa para mim só a Cia. Dos Atores encarou o texto de frente. "Eu não sou o Zé nem o Enrique Diaz. Baixa sua bola, Daniel". Cheguei a ir à xerox pegar uma cópia do texto Galileu e jogar tudo pro alto.

Mas ai parei pra pensar no evento que o Núcleo de Produção da escola está montando. E, de repente, uma voz dentro de mim, ainda cheia de dúvida, todavia com muita força, coragem e principalmente com um grande desejo artístico, disse: "Cara, se eu fosse assistir esse evento, ia querer ver SIM O Rei da Vela nele. Fugir pra que? Mete a cara! O máximo que vai acontecer é ser uma leitura chata. Ah, que grande novidade!". Encarei a coisa como um desafio, porém mais do que isso, encarei também como uma necessidade minha de ouvir esse texto dentro dessa linda proposta de celebração. Ia fazer, nem que pra isso eu instalasse um novo muro de Berlim entre palco e platéia na no Teatro UniverCidade - Sala Grande Otelo, um estranhamento/distanciamento físico sendo construído pelos atores ao longo da leitura. “Uma barricada de Abelardos”, como o texto sugere. E ficássemos assim, a ler essa “realidade datada” do outro lado . Pedi licença pro Oswald, pro Zé e pro Kike (e para todos os anônimos que já montaram ou leram dramaticamente o texto) e resolvi assim tentar um encontro com um novo Rei da Vela, 40 anos depois de sua primeira e marcante montagem, 61 anos depois de sua criação como texto dramático.

No primeiro dia de ensaio lemos juntos, os alunos que vieram e eu. Lendo e investigando, começamos logo a vislumbrar algo: O texto não era tão distante assim. Descobrimos um Abelardo diferente e, ao longo do processo, um Abelardo dentro de  cada um nós. Um modelo tupiniquim do Self-Made Man, de Pai Rico/Pai Pobre e do The Secret que ainda buscamos seguir, de um jeito ou de outro, conscientes ou inconscientemente e mais ainda: um representante de uma burguesia exclarecida que parece estar surgindo nesses tempos de eleições para Prefeito*. Uma nova leitura para esses tempos de crise em que os "imperialistas americanos" da peça hoje tomam medidas socialistas para conter a crise da bolsa. Descobrimos coisas muito preciosas, de encontrar num texto escrito há 61 anos uma atualidade incrível. Revimos o surgimento dos novos ricos, do capitalismo selvagem, encontramos inclusive quase que de forma profética a criação da Ditadura Militar no segundo ato, mas mais do que isso, vislumbramos no texto a relação das personagens com esse Abelardo. E descobrimos um jogo cênico. A estrutura de Oswald, potencializada pelo Zé em que, cada ato é um ambiente diferente, se manteve em  sua essência - o primeiro ato era um circo, o segundo o carnaval e o terceiro a ópera - ganhando um up-date mais  próximo do público: um carnaval,  uma rave e um concerto de rock, correspondentes atuais em nossa visao dos ambientes antigos. E o empenho, tanto de forma individual e quanto em grupo, dos meus colegas de curso nesta busca  nas suas personagens , por um re-significado contemporâneo, mostra a força que essa escola tem no pensamento do que é o trabalho do ator. Me fizeram revisitar todos meus aprendizados nessa minha fase com meus professores daqui: Helena, Andrea, Thereza, Regina, Vitor, Gardel, Marli, Fred, Marcinha, Ricardo, Maria, Jorge, Oscar, Monica, Danuzza, Fabio ... Todos e muito mais professores presentes nos corpos dos alunos em cena.

Comovido por Shiva/Dionísio; pela arte moderna e contemporânea, pelo Manifesto Antropofágico e pela Pop; pelo Teatro Oficina e a Cia. Dos Atores; pelo Teatro Épico de Brecht e Teatro da Crueldade de Artaud, e pelos Quadrinhos de Frank Miller; pela Bateria da Beija Flor, pelo Eskimo, pelo Iron Maden , pela Internacional socialista, pelo Strauss, pelo Barbatuques, pelo Elvis; pelo Rocky II, Pulp Fiction e pelo Onze Homens e um Segredo, pelo Batman: Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan com seu Coringa do Heath Ledger. Pelo Demétrio, Damião, Dani Herz, Suzana, Michel, Daní, Pitty, Gerald, Domingos; pela minha família, pela Ruth, Rodrigo Penna, Flavio Nunes, Fabio Zambroni; pelo meu amigão Alex Reis e especialmente pelos meus colegas atores em formação João, Ana, Clarice, Hugo, Márcia, Lauanne, Felipe, Matheus, Jean, Pepê e Flavinha apresento O Rei da Vela: “Somos uma Bancada de Abelardos”.
Não somos uma barricada. Bancamos.
Como diria o Carimbador Maluco do Raul Seixas no especial Plunct Plact Zum!!!: ‘Boa viagem, meninos. Boa viagem’. “
Daniel Braga

Elenco:
Lauanne Ferreira – Gioconda, o ponto e Coro
João Gioia - Abelardo I (Ato I e Ato III)
Pedro Cazarim - Abelardo I (Ato II e Ato III)
Matheus Toledo – O Cliente Manoel Pitanga de Moraes e Coro
Jean Martins - Abelardo II
Clarice SollBerg – A Secretária , Dona Poloca e Coro
Ana Fonte - Heloisa de Lesbos e Coro
Hugo Camizão – Pinote o Intelectual e Totó Fruta-do-conde e Coro

Márcia Tondello – Dona Cesarina Coro e Corifeu
Flávia Damiani - Joana conhecida por João dos Divãs e Coro
Michele Cosendey – Perdigoto e Coro
Felipe Galvão – O Americano Banqueiro Doutor Mister John Jones e Coro

Ficha Técnica:
Iluminação – João Gioia e Rodrigo Turazzi
Cenário – João Gioia e Daniel Braga
Trilha Sonora – Daniel Braga e Márcia Tondello
Produção - O Grupo
Direção Geral – Daniel Braga

* Esse texto foi produzido durante as eleiçõe para Prefeito do Rio de Janeiro de 2009 onde Eduardo Paes ganhou de Fernando Gabeira e Obama começava suas medidas criticadas como "socialistas" para conter a Crise Econômica