17 de novembro de 2014

tomada de consciência


Uma conhecida estava reclamando do "feriado de Zumbi", que cai na véspera do aniversário de sua mãe, coisa que eu sei e vivo, pois a véspera do meu  é o feriado da proclamação da República, geralmente,  todo mundo viaja e minhas últimas tentativas de festas têm sido um total fracasso. A última foi a dois anos atrás, literalmente, não foi ninguém. 

Eu estava sorrindo e considerando o ponto de vista dela quando ela continuou 

" A minha mãe fala ' Que que eu tenho com esse feriado? '" ( Ela abaixa a voz) " Zumbi era preto, viado, Era líder de Palmares que  ...'"

Não aguentei e interrompi com uma certa agressividade na minha voz ".. Que foi a primeira democracia do Brasil..." 

Ela ficou atônita. Continuei agora mais sereno : " Sim, Palmares foi a primeira tentativa de democracia do Brasil, pouca gente sabe, normal.."

" Eu achava que era a coisa lá de escravos"

Interrompo de novo " Sim, era um refúgio de escravizados, mas tinha Branco, tinha Índio, tinha a p**** toda! Zumbi é um símbolo como Tiradentes, que talvez precisamos nos debruçar agora com mais atenção para uma tomada de consciência..." Interrompo antes que eu volte a ficar mais agressivo. Ficamos quase um minuto em silêncio.

Estávamos num ambiente social privilegiado em que dois negros trabalhavam instalando um telhado, enquanto nós treinávamos numa piscina. Olhei para os dois lá em cima, suspirei.

" Realmente você pode ficar indignado com mais um feriado que você acha que não tem nada a ver com você, é uma questão de escolha. Ou você pode tentar por um minuto deste feriado, por que diabos nos empurram isso no calendário.  Acho que se você parar pra pensar nisso, de quanto existe uma separação socio-étnica na nossa sociedade, que ela é velada e encontra muita resistência nos nossos pensamentos imediatos... Bem, ai sim, vai ter valido a pena parar um dia de autômato pra pensar. Ainda dá pra curtir o dia, ver as árvores, tomar um chopp, mergulhar no mar, beijar... E respeitar o ser humano dentro de sua diferença. Essa condição insatisfeita da busca pela felicidade individualista já falhou, a verdadeira busca agora é se colocar no lugar do outro. "

Passam uns minutos, treinamos.  Depois falamos de outros assuntos, amenidades e rimos de nós mesmos no treino. Começo a pensar no lugar que estou , como sou privilegiado, mas ao mesmo tempo, do quanto eu gosto dos meus amigos e conhecidos de lugares e formas diferentes de pensar. Como pessoas que são "pretas e viadas" são importantes e como tenho carinho por elas, como gostaria que elas não sofressem no seu dia a dia esse preconceito velado e resistente. 

Penso no meu ambiente de trabalho e vejo uma supremacia branca quase sem exceções, que apenas confirmam a regra. Lembro que um colega de trabalho criticou da mesma forma "bem humorada" o cabelo black de duas crianças na tevê. Ele não faz a menor ideia do tipo de pensamento que ele está emulando. E se perguntado, dirá que não é uma pessoa preconceituosa. 


Aliás, a questão é essa: Estamos inertes numa sociedade com pensamentos e práticas preconceituosas, repetimos e consagramos as mesmas, sem sequer percebê-las. Talvez essa seja a real importância de nos obrigarmos a parar de agir sem pensar e pensarmos juntos...