6 de abril de 2008

REFLEXÃO SOBRE A COMPOSIÇÃO

No começo dos exercícios da plástica, apesar de verdade me identificar com a Constancia, mesmo que apenas por dois dias na semana, de repeti-la, comecei a sentir que o exercício se introjetou no meu corpo, apesar de ainda ser guiado pelo meu racional. De fato, acho que não é pela negação, como muitos antes me disseram, ainda sinto que posso aproveitar a minha disponibilidade e velocidade mental para ACRECENTAR aos impulsos, e não bloqueá-los. Parece-me uma luta eterna, porque de uma forma geral e por consenso comum, sou sempre criticado a não utilizá-lo. Entretanto, sou obrigado a reconhecer que se é assim para todos, ou pelo menos para maioria, então é hora, mais do que hora de tentar seguir esse caminho.

Tentei, portanto, me desprender da mente analítica e deixar leve e solta à força impulsionadora de origem corporal aflorar nos exercícios. Sinto a dificuldade, minha visão estética e escolhas sempre aparecem nos meus pensamentos. Alem disso, sinto pouca conexão de um modo geral com a turma. Isso foi bastante complicado, especialmente no período de desistência e ausências dos meus colegas masculinos. Toque e contato pra mim são fundamentais no jogo, e durante alguns exercícios, senti pouco disponíveis minhas colegas. Não sei de fato se eu sou muito invasivo, mas sei que tenho intensidade e até necessidade do contato, pois por experiência sei que ele pode me levar a outros lugares. Claro, não estar aparentemente em contato é também uma forma de relação, portanto no fim dou crédito à experiência, ela de fato me colocou com esse dilema de enxergar a ausência das minhas colegas como algo pra ser trabalhado no jogo, e não negado ou forçado em outra direção. Em outros momentos, houve contato, e isso muito me satisfaz.

Quando o exercício de construção da composição começou, quando comecei a compor uma partitura física em cima da leitura do trecho do Rei Lear, me senti de certa forma em vantagem por ter ouvido o texto pela segunda vez no mesmo dia e ter visto minhas colegas trabalhando anteriormente. A turma havia sido divida em dois, e fiquei no segundo grupo a partir para a prática.

Senti como impulso motriz a relação de adoração, veneração e simbiose entre aquele que discursava no trecho e para quem ele discursava. Era uma pessoa falando de sua estima pelo Rei Lear provavelmente. Construi então um trajeto claro de aproximação a figura de poder, da direta para a esquerda, apesar disso não ter se dado de forma inicial. Na verdade, comecei como se na verdade o texto, de fato soou para mim, como uma revelação pessoal no discurso e não uma exaltação ao rei. Vivi o que guardei do texto, e fui, portanto querendo me aproximar da figura majestosa do qual o trecho falava. Em certo momento, durante a trajetória, senti a angustia surgindo como reação à junção da movimentação proposta por mim mesmo embebida no que havia percebido do texto. Vacilei um pouco, mas segui por planos, por dilatação e recolhimento, queda e até fiquei nas pontas dos pés, braços esticados sobre a minha cabeça. Por fim, acho que apesar de parecer uma forma lógica, cheguei a me ajoelhar e a ser "pisado". Meu corpo se recolheu e se contorceu para dentro com um movimento de retroflexão enquanto já estava curvado.

Fixando o que eu havia achado válido, repeti diversas vezes, meio que já entendo a intenção do exercício de criar-se a partitura. Pesquei isso nos comentários sutis do que o Professor falou como linha motriz do trabalho. Fui criando, já de forma a decupar o que eu havia gostado, eliminando coisas que não se fixarão e acrescentando detalhes sutis. Aconteceu um certo exagero em um momento de levantar os braços e colocar as mãos de forma tensionada que foi logo eliminado na primeira vez que mostrei o resultado da breve pesquisa pelo Professor, assim como o pedido para que minha primeira queda fosse de forma a soltar o corpo no chão e de colocar de fato o queixo no peito quando me curvo no final. Toques que de fato me acrescentaram a pesquisa.

No segundo momento, quando foi pedida a inserção de um texto á partitura, escolhi de primeiro momento um texto que considerei condizente com o momento, que eu gosto muito, um fragmento de uma cena entre os protagonistas de "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind. Na verdade fiquei em duvida entre dois fragmentos, um seguido do outro no texto, os quais acho belíssimos, mas acabei optando pelo segundo, que invocava uma narrativa sobre figuras icônicas que iam me auxiliar , como de fato se deu. Inclusive para mim seria muito mais "fácil" colocar na partitura um texto que nada se assemelha a minha percepção, ia transformar uma coisa radicalmente em outra, mas por fim acabaria chegando ao mesmo erro, a não acreditar na minha capacidade de seguir meus impulsos em nome de uma estética "superior".

Parti, portanto da narrativa de Mortiz sobre a "Rainha sem Cabeça", história fabulesca que sua falecida avó costumava lhe contar e seu conflito com a "verdade" interna que ela sucinta. Como compartilho dessa confusão entre desejo e moral, impulso e dever; propus assim unir á algo que me é familiar, mas principalmente pertinente. Partir de uma escolha minha parta chegar noutra na execução.

Foi muito prazeroso encontrar a fala como conseqüências das minhas ações físicas construídas. Elas se completaram de forma a quase se casarem. Em especial, repetindo para a turma e o professor, quando este ultimo apontou certas coisas que já estavam na cena: o virar do corpo em vez de pelo ombro se dá pelo ouvido, alias, pelo ouvir (ação de ouvir) ; transformar os braços ascendentes, re-significando eles no rei e na rainha do texto, descobrindo na ação de levantar e abaixar os braços , de forma fragmentada o movimento da ação descrita na narrativa, dos beijos entre o casal. Esse momento de encontro com a ação re-significada foi particularmente um paradoxo: Ele veio sem pensamento racional, mas sim um casamento entre minhas escolhas estéticas e meu corpo em ação. Na verdade nesse momento percebi que é fato o que me aconselham de me libertar de meu racionalismo: De fato, ele sempre vai estar lá, pois sempre o exercitei, o que eu preciso e de fato foi a epifania do processo é confiar que ele esteja lá, e não impô-lo só porque vaidosamente gosto de ser uma pessoa inteligente e de mente ligeira. Falta um tanto de confiança e descontração para que isso, mas também acho que esse é o momento de perceber e trabalhar com isso. Continuei após a interrupção e fiz até o final, contaminado pelo estado que cheguei a partir das ações, por mais que o texto me dê prazer, foi de fato a partir delas que cheguei a um bom resultado.

Durante a semana seguinte prossegui pouco com a pesquisa, apesar de sempre que possível refletia sobre ela. Cheguei a executá-la algumas vezes , agora com o pedido de procurar uma musica. A primeira opção, a que me veio por impulso era colocar a que de fato estou usando, a musica da trilha do filme do Kubrik, "De Olhos bem fechados", apesar de ter tentado com algumas musicas instrumentais do Pink Floyd.

Mas novamente a interação com a música que eu tinha originalmente pensado (só consegui-la um dia antes da aula que teoricamente eu a mostraria) me apontou um elemento que re-significou a cena. Se antes a cena me parecia que gerava um efeito de singelo, ternura, agora, a força da música traz, especialmente no final, algo retorcido, de quase terror, que achei tão bacana experimentar. Tive que exercitar a paciência e esperar três aulas inteiras para apresentar o trabalho, o que não foi especialmente legal para mim, devido a um quase trauma que sofri com o processo do ano passado de estar por mostrar a cena, mas ter que me impor para fazê-lo, o que eu sinceramente acho absurdo, mas era a linha de trabalho do professor anterior, e se de fato não consegui me impor a "culpa" é inteiramente minha. Não estava disponível para o processo agressivo e combatente que foi a temática da composição final do período passado.

Terminada a espera enfim, encontrei-me de fato na amostragem da cena. Tensão e preocupação vieram dessa angustia da espera, e, portanto a execução, como o professor apontou, estava impregnada desses elementos. Entretanto, quando se deu a nova execução, dessa vez parando, mesmo que com alguns erros, foi melhor, apesar de ainda um pouco tenso, fato que fez o professor ir ao meu encontro e tentar recolher meu peito inflado para dentro, de forma a destencioná-lo.

Na apresentação final desse estágio do processo, se deu um relaxamento dentro da cena, o que também foi apontado pelo professor e percebido por mim. De fato, tentei relaxar lá mesmo, onde estava o problema, não sei se isso é "certo", mas sei que foi assim que se deu. E que cheguei, portanto á execução da melhor maneira daquilo que construí. Acho que estou em processo, trabalhando de forma real e disponível e principalmente com muito interesse e real motivação a proposta deste período.