Resumo:
Sankhya é
o darshana (ponto de vista) do hinduísmo que procura pelo
conhecimento teórico a libertação.
Para alcançar o estado de libertação denominado
kaivalya, a consciência faz o caminho de volta da criação: o retorno ao discernimento
entre Púrusha (essência individual do homem, o Self) e
Prakrití (natureza universal, substância primordial, origem de todo o
universo fenomênico). Vale notar que nos referimos à criação do mundo como um
ato psíquico, que não acontece no tempo e no espaço. Púrusha é a essência final
(ou primitiva) do homem. Consciência pura, ele é o observador imóvel que
contempla em silêncio o movimento da Prakrití. Ele é distinto e independente. O
Púrusha é o motor imóvel da Prakrití, a natureza primordial.
A Prakrití é a única que se manifesta. Ela o faz
por influência do Púrusha e através da emissão de um princípio (tattwa). Este
princípio gera outro princípio e, assim, forma uma névoa de manifestação que
esconde o Púrusha, embora ele permaneça impassível diante de tal espetáculo de
transmutação. Os tattwa são, portanto, etapas da manifestação do universo. Cada
etapa, cada tattwa deve ser superada ou transcendida para que este alcance,
novamente, o Púrusha.
O primeiro tattwa, a primeira manifestação da
Prakrití, é chamada Buddhi, inteligência pura e informal, supra-racional e
supra-individual, que consegue discriminar o Púrusha da Prakrití. Buddhi se
desdobra em Ahamkara, o ego, a noção do eu, que introduz na consciência a
oposição entre sujeito e objeto. A partir daí, inicia-se a grande confusão,
pois o ego, que é Prakrití, natureza, pensa que é Púrusha, consciência. Ou
seja, ele confunde o self com os estados psicomentais. A partir de então a
Prakrití se manifesta em fenômenos objetivos e psicofisiológicos que se
diferenciam pela fórmula dos guna (atributos), isto é, de acordo com a
predominância de cada guna, que são: sattwa, rajas e tamas.
O guna sattwa tende à iluminação, rajas gera
atividade e movimento e tamas é o fator de resistência e obstrução. Qualquer
coisa se esforça por realizar o seu estado "sáttvico", seu ser,
superando sua condição "tamásica", inerte, através do esforço
"rajásico", ativo, de vencer obstáculos. Tais atributos nunca se
anulam, estão sempre presentes em toda manifestação de prakrití, mas têm uma
relação de equilíbrio e tendência. O púrusha, por não ser parte da prakrití,
não possui atributos.A ignorância do eu ("ego") é a causa de todo
sofrimento. O objetivo do Sankhya é suprimir o sofrimento ou as confusões
da consciência através da libertação (Moksha). Não cabe a essa filosofia
questionar o "porquê" da confusão entre consciência e manifestação e
aí está a sua praticidade. Tal questionamento é inútil, pois ultrapassa a
capacidade da compreensão humana. O objetivo desse dárshanas é fazer o caminho
inverso através dos tattwas, superando cada etapa, alcançando estados de
consciências mais elevados até superá-los, superando o eu ("ego") e
vislumbrando o discernimento entre Púrusha e Prakrití.
É importante esclarecer que a Prakrití não tem um
fim em si. Sua finalidade é o Púrusha. Sua manifestação afasta o homem de seu
conhecimento real, mas deixa sempre o caminho livre para aquele que é capaz de
enxergar o caminho da libertação. O "instinto" da Prakrití é orientado
para a libertação do Púrusha, como se tudo fosse um grande espetáculo cíclico
cuja razão de ser não somos capazes de compreender.
Texto:
O termo Sankhya quer dizer, literalmente, número;
e possui diversos significados, tais como, enumeração, busca, análise, cálculo,
ato de examinar, discriminação e investigação das categorias da existência. As
duas características principais desse sistema são a ordem de classificação de
seus 24 princípios (tattwas) e a dissociação, ou discriminação, entre o Púrusha
(Ser Humano) e a Prakriti (Natureza). Em síntese, o Sankhya é classificado como uma
filosofia naturalista, já que toda a sua estrutura se
fundamenta nas leis da natureza.
As origens do Sankhya, segundo o historiador Mircea
Eliade, “antes dele ter se transformado num darshana, devem ser procuradas na
análise dos elementos constitutivos do homem, com o objetivo de distinguir
dentre aqueles que o abandonam na morte e aqueles que o acompanham para além dela”.
(Yoga Inmortalidad y Libertad, pág. 22). Um estudo semelhante
encontra-se no Satapatha Brahmana (X, 1,3,4), que divide o ser
humano em três partes imortais e três partes mortais. Essa filosofia pode ser
sintetizada como uma tentativa do homem em compreender a sua existência,
explicando-a segundo leis naturais; e na dissociação entre algo que é mutável
e aquilo que permanece imutável em todos os seres e por trás de todos os
processos da Natureza.
Outras ideias remotas do Sankhya podem ser
encontradas em textos do período vêdico. A divisão do Universo entre Púrusha e
Prakriti é mencionada no Rig Vêda (X, 90.5), no qual o
primeiro tem caráter masculino e o segundo, feminino. Alguns hinos doRig
Vêda (X, 129, 221) falam sobre a evolução do Universo de um modo
semelhante à evolução do Sankhya Clássico. Os três gunas são citados no Atharva
Vêda (X, 8, 43): “os homens que possuem a sabedoria conhecem aquele
ser, o Púrusha, que reside no lótus de nove portas (o corpo humano), revestido
pelas três qualidades (gunatraya)”.
Também encontramos referências em algumas Upanishads,
e também em várias partes do Mahábhárata, tais como na Bhagavad
Gítá, na Anu Gítá e no Môkshadharma (nos
quais o Sankhya está intimamente ligado ao Yoga). Na maioria desses textos,
entretanto, o Sankhya é definido, em linhas gerais, como qualquer tipo
de conhecimento filosófico.
Segundo as fontes hindus, o Sankhya foi
sistematizado por Kapila, personagem tradicionalmente muito conhecido, porém
historicamente contraditório. Nas escrituras que o citam, por exemplo, a Swêtaswatara
Upanishad (V,2), ele é identificado com o nome de Hiranyagarbha, um
dos nomes de Brahma. Ainda, no mesmo texto, diz-se que ele é uma personificação
de Vishnu. E mais, noutras Upanishads, Kapila é colocado como sendo
o próprio Shiva, o criador do Yoga.
A obra mais antiga sobre o Sankhya é um livro
chamado Sasti Tantra, classificado como o ensinamento dos
seis tópicos ou, ainda, como o livro das sessenta frases.
Entretanto, tais registros foram perdidos no tempo e hoje não passam de mitos.
Esse é o Sankhya Pré-Clássico.
Um dos livros mais famosos é o Sankhya
Kariká (significa, literalmente, estrofes do discernimento)
de Íshwarakrishna. A maioria dos pesquisadores concorda que sua redação é do
século ii d.C. Nos
sútras finais dessa obra está registrado que, como tradição oral, Kapila
revelou o conhecimento a Asuri, que passou a Pañchasikha e, por sua vez,
transmitiu a Íshwarakrishna, quem, finalmente, o colocou na forma
de tradição escrita, o Sankhya Kariká.
Como no caso do Yoga Clássico, essa codificação se
tornou um dos trabalhos mais importantes e o mais aceito, a partir do qual o Sankhya
elevou-se à categoria de darshana do hinduísmo. Eis, assim, o Sankhya Clássico.
Tal filosofia teve uma grande força até a época de
Shankarachárya (788-820 d.C.). Depois dessa época sobreviveu em constante
declínio, até que no século quinze experimentou um renascimento, quando foi
composto o Sankhya Pravachana Sútra. Daí por diante, o Sankhya
passou a coexistir com idéias teístas, já que o Vêdánta, difundido alguns
séculos antes por Shankarachárya, já se encontrava bastante arraigado na
sociedade hindu. A partir de então, o Sankhya pôde ser classificado como
Moderno.
Segundo o Mahábhárata, há três
variantes de Sankhya. A primeira, mais antiga, tem vinte e quatro princípios; a
outra, vinte e cinco; e a terceira, vinte e seis. Essa última
categoria inclui Púrusha e Íshwara; a variante anterior exclui Íshwara, e a
mais antiga nem menciona esses dois princípios. As categorias de 24
ou de 25 princípios são denominadas de NírishwaraSankhya, enquanto a mais
moderna, de 26 princípios, é designada por SêshwaraSankhya
Obs: Quando Pátañjali no século iii a.C. fez a codificação do Yoga,
foram introduzidos alguns conceitos teístas em sua obra. A filosofia Sankhya,
que até então era de um só tipo, passou a ser dividida e qualificada de
Niríshwara-Sankhya e Sêshwara-Sankhya.
O ciclo
Existencial
O hinduísmo apresenta-nos um conceito chamado dúhkha
traya, que significa, o triplo infortúnio existencial. Isso diz
respeito à conscientização de que estamos todos presos no ciclo
existencial, o samsára, cujo movimento não tem fim. Vejamos como o Sankhya
analisa essa “miséria existencial”, que possui três raízes ou causas
principais.
A primeira raiz se encontra na relação do ser
humano com seus semelhantes. Cada um sofre, em maior ou menor grau, de algum
tipo de carência, seja física, emocional ou mental. Também cada um precisa
competir por melhores posições na sociedade e, por isso, tem de se condicionar
aos costumes e regras estabelecidos pelo dharma (lei humana ou social), na
maioria das vezes, não pertinente com o âmago da natureza.
A segunda causa se acha na relação do indivíduo com
outros seres da natureza, tais como os animais selvagens e os microorganismos
desconhecidos que lhe trazem enfermidades e morte prematura. Muitas vezes é a
nossa própria sociedade que se permite desenvolver novas bactérias e vírus,
dando origem a doenças cada vez mais sofisticadas.
Já a terceira raiz é a relação do homem com as
forças da natureza (o homem está sempre infeliz, ora queixando-se do calor, ora
do frio, ora da chuva, etc). Ainda pode acontecer uma seca intensa, uma
enchente, um terremoto, um furacão, enfim, os grandes cataclismas do planeta.
Evidentemente, existem meios específicos para
contornar todas as situações; principalmente, em função do rápido
avanço tecnológico e científico que traz mais conforto e uma maior expectativa
de vida. Entretanto, os problemas continuarão a surgir, soluções aparecerão e
novas questões virão (antes, a peste; depois, o câncer; aids e,
amanhã, o que mais será?).
Por outro lado, temos ainda as propostas das
religiões ou também de um estado político-social organizado. Conceitos e
paradigmas nos vão sendo impostos por uma cultura que, na maioria das vezes, castra nossas
maiores possibilidades. Quando observada de um outro ângulo, a esperança
proporcionada pelo acreditar, seja na justiça divina, seja na ordem social,
apenas nos permite orbitar na periferia.
A maioria desses caminhos são considerados
simplórios e não passam de um remédio paliativo de breve validade. É como se
apenas podássemos os galhos de uma árvore. Ela continuará de pé, sustentada
pelas suas raízes, de onde partirão novos ramos e flores, cujos frutos um dia
retornarão à terra, cujas sementes produzirão novas árvores... E é a terra que
fornece o alimento mas também o que aprisiona o homem ao eterno movimento
cíclico da Natureza. Dentro de uma esfera que não pára de girar, somos
arrastados ora para cima, ora para baixo, num jogo interminável.
A paz e a tranqüilidade nada mais são do que a
lacuna entre os conflitos e o sofrimento. A segurança e a riqueza andam numa
corda-bamba; e num instante se está feliz, noutro, infeliz. Seja quem for, faça
o que fizer, tenha o que tiver, todos os homens estarão insatisfeitos. Todos
trazem em si uma espécie de inquietação e de agitação internas causadas pelo
ciclo perpétuo da Natureza.
A intensidade dessas sensações é proporcional ao
plano de existência em que esteja cada indivíduo. Às criaturas chamadas
inferiores, nada disso tem razão de ser, por exemplo, uma planta, um inseto ou
um cão, que amoldam-se ao seu meio natural.Mas quer sejam seres racionais, quer
sejam irracionais, o fato é que todos estamos juntos nas cadeias do nascimento
e da morte, aprisionados pelo ciclo existencial, por sua vez caracterizado pela
lei de causa e efeito, o karma.
Pátañjali escreve no Yoga Sútra (cap.
II: vers. 12-15): “O karma tem suas raízes nos obstáculos e é experimentado
tanto no nascimento objetivo quanto subjetivo. Permanecendo a existência das
raízes, permanecem as conseqüências (kármicas) que vão determinar tudo: o
nascimento, a própria vida e as suas experiências. Estas produzem alegria ou
dor, conforme sua causa seja virtude ou vício. Para o discriminativo, tudo
provoca a dor, seja devido à antecipação do sentimento de perda, ou a novos
desejos produzidos pelos samskáras, ou ainda, a conflitos entre os gunas.”
Imaginemos um homem como um grão de areia se
comparado à Terra, a qual nada mais é do que um ponto no sistema solar. Esse,
por sua vez, é ínfimo dentro da via-láctea, que também não passa de um
minúsculo ponto em relação ao aglomerado de galáxias; assim, ad infinitum.
Para cada um desses elementos é atribuído um período de vida, desde uma célula
até uma estrela.
Os darshanas, as escolas de filosofia hindu, procuram
uma saída na qual o ser humano possa libertar-se do movimento incessante da
roda existencial, cujas percepções, vivências e transformações encontram-se
limitadas espacialmente e condicionadas à temporalidade.
Gaudapáda comentando o Sankhya Kariká (vers.II),
diz: “Numerosos milhares de Indras (uma das primeiras divindades arianas), de
era para era, com o tempo desaparecem, pois o tempo é invencível”. Seja através
de uma árvore centenária, de um inseto que vive alguns meses ou de uma galáxia
de bilhões de anos, nossas percepções habituais estão lacradas pelas dimensões
de tempo e espaço.
Em relação ao homem, a forma como ele se apresenta,
com sua personalidade distinta, com seus desejos particulares ou coletivos, com
suas tendências genéticas, instintivas, emocionais e mentais, tudo isso está
incluso nessa mesma esfera sem saída, dentro da qual tudo nasce, se desenvolve,
se desfaz e se transforma.
Para que compreendamos nosso ciclo existencial e,
consequentemente, encontremos uma saída para esse drama cósmico, devemos começar
a nos desapegar (ou nos desprender) de máyá. Máyá, que significa ilusão, é onde
atuam os pares de opostos, tais como: bem e mal, belo e feio, dia e noite,
certo e errado, homem e mulher, alegria e tristeza, prazer e dor, vida e morte,
etc.
Observada sob o nosso parâmetro humano, toda
dualidade é uma realidade. Porém, quando a dualidade é vista sob uma grande
angular, tudo aquilo que aos nossos sentidos humanos aparece como pólos
distantes, na verdade, são pontos de um mesmo extremo!
Na Bíblia (Gênesis, ii: 8-17) está escrito: “E o Senhor Deus tinha produzido da
terra todo tipo de árvores formosas e de frutos doces para comer; e havia
também a árvore da vida no meio do paraíso, e a árvore da ciência do bem e do
mal... E, deu-lhe este preceito, dizendo: ‘coma os frutos de todas as árvores
do Paraíso, mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal’.”
(Aqui não há nenhuma menção à maçã criada pelo folclore. Na
verdade, tal árvore representa o conhecimento do bem e do mal, ou seja, a dualidade,
o grande pecado do homem). No Dhammapáda,
escritura clássica do budismo, é atribuída ao Buda a seguinte frase: “Aquele
que venceu as cadeias do mal, mas também venceu as cadeias do bem, lhe chamo
eu, Brahmane.” Assim, essas duas obras, de tradições diferentes, dizem respeito
à transcendência dos opostos, na qual o indivíduo deve ser, simplesmente, como
a Natureza o criou.
Em suma, existem três maneiras para enfrentar o
ciclo existencial: resignar-se conscientemente, caminhar em direção à saída, ou
ainda, conciliar essas duas opções. A partir do momento em que compreendemos
as leis e os mecanismos que regulam o funcionamento do nosso Universo teremos
mais acesso à libertação e rumaremos finalmente ao paraíso, dimensão
do aqui e do agora, além das fronteiras do tempo e do espaço.
Os Níveis de
Evolução na Natureza
Para algumas correntes do Sankhya não-sistemático,
existem seis principais estágios, níveis ou planos de evolução na Natureza. E
cada um deles se manifesta através de estados de consciência, do mais denso ao
mais sutil.
Estágios Evolutivos
|
Estágios de Consciência
|
Adepto (Yogi)
|
Púrusha
|
Iniciado (Yogin)
|
Intuicional
|
Hominal
|
Mental
|
Animal
|
Emocional
|
Vegetal
|
Energético
|
Mineral
|
Físico Denso
|
Grande parte dos Homo sapiens é,
basicamente, guiada por instintos e emoções. Por questões de sobrevivência e
adaptação, desenvolvemos gradativamente um cérebro mais sofisticado que o das
outras espécies. Temos tecnologia avançada, mas estamos num nível de
consciência apenas relativa e ligeiramente superior ao da maioria dos animais.
Imagine que partimos da Terra no cesto de um balão.
À medida que ele vai subindo, começamos a enxergar as coisas de longe, por
exemplo, as estradas, os campos, as montanhas, depois a curvatura da Terra, etc.
Também, quando o balão vai retornando e aproximando-se do solo, começamos a
enxergar a floresta, depois uma árvore e suas folhas, uma formiga, uma gota de
orvalho, etc. De maneira semelhante, acontecerá com a percepção de cada
indivíduo, que poderá situar-se num determinado
ângulo de observação; mais acima ou mais abaixo, mais distante ou mais próximo,
dentro da realidade de cada ponto de vista.
Por meio dos nossos cada vez mais potentes
telescópios ou microscópios chegamos às profundezas do sem-fim. Vemos que nada
encontra-se fora dos limites da Natureza, dentro da qual nada se perde,
nada se cria e tudo se transforma.
Quando, por exemplo, uma pessoa morre e o seu corpo
físico mais denso se dissolve na terra, com o tempo vai se integrando à
estrutura química de outras formas minerais, vegetais e animais. Seus átomos,
sua energia, suas emoções e seus pensamentos liberados à natureza à princípio
se dispersarão, contudo perdurarão até se integrar às outros seres animados ou
inanimados.
A morte é temida pelo indivíduo, mas é
indispensável à continuidade da espécie. É graças a ela que cada ser
proporciona a possibilidade de nascimento a outros seres. E tanto a morte
quanto a vida pertencem ambas à mesma realidade do samsára, o ciclo
existencial.
Ao gerar um filho, o homem transmite ao seu
sucessor uma extensa combinação genética com as informações dos seus milhares
de anos como espécie humana, incluindo até as formas primitivas de vida em
nosso planeta, de bilhões de anos. Existe uma conexão intrínseca que nos une a
todos os seres terrestres, marinhos e aéreos, a todas as formas existentes na
Terra e além dela, a todas as estrelas da nossa galáxia e a todo o universo.
Somos filhos da Natureza, gerados e nutridos por
ela e tudo que está contido nela faz parte de nós mesmos. Levando
nossas percepções a estágios mais altos, veremos tudo como uma só família. E
saberemos que não existem diferenças entre uma pedra,uma flor, um pássaro, um
rio, uma estrela distante e nós, seres humanos.
Os Gunas
Guna significa qualidade. Refere-se às
qualificações de determinados estágios na Natureza. Existem três tipos de
qualidades (gunatraya): tamas, rajas e sattwa.
A diversidade e a complexidade do que concebemos
por meio dos nossos sentidos são devidas à interação, alteração e às variações
desses três elementos que se mesclam, apoiam-se e nunca atuam separadamente.
Em resumo, tamas significa inércia; rajas, movimento
e sattwa estabilidade. Suas funções são, respectivamente, a de limitar, a de
ativar e a de manifestar a consciência através dos seus mais variados veículos.
Os gunas estão sempre presentes em todos os planos
e seres da Natureza, embora em proporções desiguais, e são os responsáveis pela
diversidade dos fenômenos, de maneira que jamais existirão duas formas ou dois
indivíduos exatamente idênticos. Ilustremos com alguns exemplos.
Observe o funcionamento desses três gunas atuando
numa árvore. Tamas seria a raiz que a sustenta na terra firme; rajas, o
princípio que levaria o alimento pelos troncos e galhos; e sattwa, aquele que
formaria as flores e os frutos. Esses últimos, por sua vez, gerariam novas e
diferentes árvores através das suas sementes que caíssem e brotassem do solo,
mantendo assim, o ciclo existencial interminável de nascimentos e mortes.
Noutra explanação, vejamos como esses três gunas
podem atuar no ser humano.
O guna tamas revela ignorância, insensibilidade,
crueldade e inércia, bem como falta de desejos, apetites e emoções.
Psicologicamente, é causa de melancolia, cansaço e preguiça. É o
desconhecimento total das outras realidades do universo. Entretanto, apesar de
seus adjetivos negativos, é o princípio que dá coesão e estrutura aos outros dois.
Assim, pode ser simbolizado no corpo humano pelos ossos e pele que atuam como
base e suporte. Sem tamas os outros gunas não teriam onde atuar.
O guna rajas prepondera naquelas pessoas que são
ativas, apaixonadas, agitadas e instáveis. É representado no corpo humano pelos
músculos e membros, proporcionando, principalmente, reflexos rápidos. Esse guna
incita aos desejos, aos desagrados, às rivalidades e também dá a capacidade
para transpor quaisquer obstáculos. Está sempre associado ao sofrimento, pois a
necessidade de se estar em frenética atividade, induz à dispersão, à
falta de entendimento das leis da Natureza.
O guna sattwa atua no homem como um estado de
compreensão, satisfação, tranqüilidade, reflexão, alegria e felicidade. Pode
ser simbolizado dentro do corpo humano pela cabeça. É associado à inteligência
e à intuição; assim como também à vitalidade, à saúde, à juventude, à perfeição
e à beleza. Outra função é a de revelar a essência dos demais níveis, já que
facilita a percepçãode estados mais sutis da matéria.
A cada momento um dos gunas prepondera sobre os
outros. O guna de menor participação, num determinado fenômeno, se associará ao
de maior destaque, sendo obrigado a adotar a direção desse último e a
contribuir para o seu funcionamento. O guna rajas, por exemplo, está presente
mesmo numa rocha, ainda que, aparentemente, paralisado. Apesar de terem
propriedades contraditórias, os gunas cooperam, mesclam-se e opõem-se entre si
e nenhum deles pode ser considerado mais importante ou mesmo ter o poder
de aniquilar os outros dois.
Outros
princípios do Sankhya
Existem mais três importantes conceitos do
pensamento Sankhya: karma, dharma e egrégora
Karma, Dharma
e egrégora
O termo karma traduz-se por ação e
refere-se à lei de ação e reação. Dharma traduz-se por lei e
se refere basicamente às leis humanas, regidas pelos costumes, pela época e
pelo lugar; e que, por isso, muitas vezes entram em choque com a lei do karma.
Essas duas leis atuam com intensidade no ser humano. Estão interligadas mas não
devem ser confundidas.
Karma é um conceito que nasceu nos primórdios da
Índia antiga. Dependendo do contexto e da linha de pensamento do hinduísmo em
que se enquadre, poderá sofrer distintas interpretações. No geral, a massa
popular vê esse princípio sob a lente do teísmo Vêdánta e não, como nas
origens, segundo o naturalismo Sankhya.
Existe até uma interpretação de karma adaptada à
nossa cultura ocidental, com grande influência judaico-cristã.
Nela, a idéia de karma passou a ter a configuração de algo ruim, uma espécie de
fatalismo que precisa pagar-se com sofrimento. De outras vezes, nessa mesma
maneira de enxergar as coisas, há uma desculpa e uma resignação referente
àquilo que não se pode alterar ou, em geral, que não se tem coragem para mudar.
A pura lei do karma é simplesmente mecânica e não
espiritual. Nem sequer moral. Independe de fundamentação reencarnacionista ou
até mesmo teísta. Refere-se a um mecanismo da própria natureza. Uma espécie de
lei da gravidade muito distante do fatalismo que lhe atribuímos.
Comparando a lei do karma com a lei da gravidade,
vamos concluir que as duas têm muito em comum. Se você cospe para cima,
recebe a cusparada na cara. Não foi castigo. Nenhuma divindade interrompeu seus
afazeres macrocósmicos para punir o hominídeo que teria feito algo ‘errado’. Se
você ignora a lei da gravidade e segue caminhando numa trilha em que haja um
grande fosso, cairá nele. Machucar-se-á. Sendo ignorante da lei da gravidade,
vai ficar se lamentando pelos ferimentos e irá atribuí-los à vontade dos deuses
ou dos demônios. Precisará cair outras e outras vezes, até aprender que não
está se contundindo pelo desígnio de deuses ou maus espíritos, e sim porque há
uma lei natural, a lei da gravidade, que o faz cair no fosso. Aprendida a
lição, ao se deparar com o buraco à sua frente, você não continuará caminhando
desavisadamente em direção a ele. Vai contorná-lo, saltá-lo, colocar uma ponte
ou descer o fosso por um lado e subir pelo outro. Enfim, tomará alguma medida
dentre as tantas alternativas que existem para cada caso, mas não cairá mais
por ignorância da lei. Com o karma, é exatamente da mesma forma.
Enquanto a lei do karma pode ser aplicada
igualmente a um ateu do século xxi,
a um muçulmano do século quinze, a um centurião romano, ou a um troglodita
pré-histórico; a lei do dharma “depende das normas de um determinado país,
região, cidade, grupo cultural e de uma determinada época. Mudando o tempo ou
mudando o lugar, as regras mudam. O dharma depende dos costumes (mores,
em latim).”
Podemos dizer que enquanto o karma diz respeito à
relação entre o ser humano consigo próprio, o dharma nos é imposto pelo meio em
que vivemos. Quando esta lei atua sobre aquela, temos o karma individual e o
karma coletivo. “O karma individual é o denominador comum entre os diversos
karmas coletivos que atuam sobre nós o tempo todo, desde antes de nascermos até
depois de morrermos. Os karmas coletivos nos são impostos por herança, em
função da família à qual pertençamos, do local em que nascemos, nossa nação,
cidade, bairro, etnia, religião, etc.; ou por opção, como profissão, esporte,
arte, política, filosofia e outros. Quantos karmas coletivos atuam sobre nós?
Um número indeterminado, porém, certamente, incomensurável. E, como eles atuam
sobre nós? Atuam através de uma energia bem mais palpável, denominada
egrégora.”
“Egrégora provém do grego egrégoroi e
designa a força gerada pelo somatório de energias físicas, emocionais e mentais
de duas ou mais pessoas, quando se reúnem com qualquer finalidade. Todos os
agrupamentos humanos possuem suas egrégoras características: todas as empresas,
clubes, religiões, famílias, partidos, etc.”
“Egrégora é como um filho coletivo,
produzido pela interação "genética" das diferentes pessoas
envolvidas. Se não conhecermos o fenômeno, as egrégoras vão sendo criadas a
esmo e os seus criadores tornam-se logo seus servos, já que são induzidos a
pensar e agir sempre na direção dos vetores que caracterizaram a criação dessas
entidades gregárias. Serão tanto mais escravos quanto menos conscientes
estiverem do processo. Se conhecermos sua existência e as leis naturais que as
regem, tornamo-nos senhores dessas forças colossais.”
“Por axioma, um ser humano nunca vence a influência
de uma egrégora caso se oponha frontalmente a ela. A razão é simples. Uma
pessoa, por mais forte que seja, permanece uma só. A egrégora acumula a energia
de várias, incluindo a dessa própria pessoa forte. Assim, quanto mais poderoso
for o indivíduo, mais força estará emprestando à egrégora para que ela
incorpore às dos demais e o domine.”
“A egrégora se realimenta das mesmas
emoções que a criaram. Como ser vivo, não quer morrer e cobra o alimento aos
seus genitores, induzindo-os a produzir, repetidamente, as mesmas emoções.
Assim, a egrégora gerada por sentimentos de revolta e ódio, exige mais revolta
e mais ódio. (...) Já a egrégora criada com intenções sãs, tende a induzir seus
membros a continuar sendo saudáveis. A egrégora de felicidade, procura
‘obrigar’ seus amos a permanecer sendo felizes.”
Tattwa significa princípio. Por meio
desse conceito o Sankhya ganha uma conotação mais sistemática, justificando o
seu caráter técnico e numérico. Os tattwas constituem a espinha
dorsal da filosofia Sankhya.
Existem 24 tattwas, comuns a todas as escolas do Sankhya.
A Prakriti é o primeiro tattwa, a causa primeira. Ela contém necessariamente
tanta ou mais realidade que os seus efeitos.
A matéria, que percebemos através de nossa
perspectiva hominal, nada mais é do que uma manifestação já existente,
indiferenciada no primeiro tattwa. Numa ilustração: quando batemos creme de
leite até transformá-lo em manteiga, podemos dizer que o produto final, a
manteiga, já se encontrava potencialmente presente no leite, conquanto em outro
estado. Tudo se diferencia, tudo se transmuta, podendo evoluir dos estágios
mais densos até os estágios mais sutis da Natureza.
[2] Nem todas as escolas do Sankhya seguem o
mesmo modelo de estruturação dos tattwas. Utilizam-se pequenas variações e
diferentes interpretações, mas que muito pouco interferem na essência dessa
filosofia.
O Púrusha
Púrusha significa literalmente homem.
Assim como Prakriti se traduz por Natureza, conquanto envolva muito mais
nuances que o próprio termo em si, também esse homem é um
termo abrangente no sentido de essência absoluta ou de chispa
de vida. Esse princípio equipara-se ao conceito de Átman da filosofia
Vêdánta.
O Púrusha é imperecível, inativo e inabalável. Não
é afetado pelos opostos dor e prazer, bem e mal, qualidade[3] e
defeito, etc. Está excluído das características fenomenais dos tattwas, não tem
envolvimento algum nos processos da Natureza e nem é influenciado pelos gunas.
Segundo a Kêna Upanishad (i,
5,6), o Púrusha é “aquilo que não se pode ver, mas pelo qual as visões são
vistas. Aquilo que o pensamento não pode pensar, mas graças ao qual o
pensamento pensa”.
Enquanto a Prakriti, ao emitir o Universo, se
transforma e se reveste em tattwas, o Púrusha não se altera e permanece sendo
ele mesmo, em todo tempo, lugar e além deles. Ele pode ser, ao mesmo tempo,
singular e múltiplo, homogêneo e heterogêneo. Não há maneira de conhecê-lo por
meio do intelecto. Entretanto, um dos primeiros passos da via que leva ao conhecimento do
Púrusha é o desapego ou desprendimento dos gunas. Segundo Pátañjali, “Vairágya
(desprendimento) é quando subjuga-se a compulsão pelas dispersões que venham a
ser vistas ou ouvidas. Isto proporciona a mais elevada consciência do Homem
(Púrusha), no qual cessam os gunas (atributos).” Yoga Sutra, i, 15, 16.
A existência desse princípio não
pode ser explicada através de verbalização, mas intuída através
do tattwa mahat. É a partir dele que o dualismo (máyá) desaparece, cessando os
argumentos intelectivos para demonstrar o Púrusha. Em todo caso, o que podemos
fazer são apenas algumas considerações, através do raciocínio lógico,
anteriores à convicção intuicional.
Há um momento em que, para se chegar de fato à
compreensão desses conceitos é preciso ir além da razão humana, partindo de uma
prática yôgi denominada dhyána (intuição linear, também conhecida popularmente
como meditação). A meditação é a etapam que antecede ao sámadhi, meta do Yoga.
Pátañjali define: “Dhyána (meditação) consiste em manter a continuidade da
atenção sobre aquela área específica da consciência. Samádhi (hiperconsciência)
é quando chitta assume a natureza do objeto sobre o qual se medita,
esvaziando-se da sua própria natureza.” Yoga Sútra de Pátañjali, iii, 2,3.
Aqueles que se desvincularam da Prakriti compreenderam
que como egos independentes não mais existirá vida futura, já
que retiraram seus impulsos do processo cíclico, queimando a causa e o efeito.
Isolado dos gunas e dos tattwas, o Púrusha é livre das atividades de
nascimento, vida e metamorfose que caracterizam o Universo que conhecemos.
Íshwara
Íshwara traduz-se por senhor e,
segundo Mircea Eliade (El Yoga. Inmortalidad y Liberdad, pág. 83), é o
arquétipo do yôgi. Tal princípio passou a designar também a divindade em
algumas escolas do Sankhya. Isso ocorreu a partir de um certo período da
história profundamente marcado pela fé e crenças religiosas.
Abrimos um parêntesis para dizer que o Sankhya
nunca se ocupou da afirmação ou negação da existência de Deus, já que
simplesmente isso não fazia parte de seu contexto original. Os pré-arianos
poderiam até valorizar, reverenciar e cultuar as formas da natureza
(assim como os índios o fazem), mas naquela época remota da história da
humanidade, ainda estava por existir o conceito de divindade tal qual
concebemos atualmente. Hoje podemos classificar aquele povo antigo como
naturalista, cuja concepção de vida sacraliza a natureza.
A referência mais antiga no princípio Íshwara
aparece pela primeira vez na Swêtaswatara Upanishad. Mais tarde, no
século iiia.C., Pátañjali o
definia dizendo: “Íshwara é um Púrusha especial não afetável pelas aflições,
nem pelas ações ou suas conseqüências e nem por impressões internas de desejos.
Nele está a semente da onisciência. É também o Mestre dos mais antigos Mestres,
pois não está limitado pelo tempo” (Yoga Sútra, i, 24, 25, 26).
Foi dessa maneira que, a partir de Pátañjali, o Sankhya
passou a ser denominado SêshwaraSankhya, Sankhya com Senhor, para
diferenciar do outro tipo mais antigo, designado como NiríshwaraSankhya, Sankhya
sem Senhor (que por sua vez, é o tipo de Sankhya do SwáSthya Yoga, o Yoga
mais antigo, adotado por nós).
Somente a partir da Idade Média é que houve uma
tendência em enfatizar esse novo princípio. De lá para cá começaram a surgir
algumas variantes de Sankhya, muito influenciadas pela filosofia Vêdánta que imperava
na época.
De acordo com tais correntes de Sankhya Medieval,
Íshwara é um tipo de Púrusha que se deixa, por vontade
própria, ser retido pela Prakriti, usufruindo dos processos naturais que a
caracterizam. E, embora habitando em nossa dimensão, dentro do ciclo
existencial, Íshwara está livre do karma.
Esse Púrusha especial poderá até coexistir com a
dualidade de máyá, porém suas ações não produzirão conseqüências para ele, quer
sejam boas ou más. De um lado, deixa-se levar pelo samsára; de outro, é tão
incondicionado quanto o Púrusha e, como este, não pode ser intelectualmente
compreendido.
O princípio Íshwara não teve repercussão em todas
as linhas do Sankhya. Haja vista o Sankhya Kariká que nem ao
menos o menciona. Conquanto tal elemento sempre estivesse discretamente
presente nessa filosofia, somente começou a ser propagado dentro da
efervescência espiritualista da época medieval, transformando-se, então, num
princípio tão importante quanto os vinte e quatro tattwas e o Púrusha.
Kaivalya
Kaivalya traduz-se por libertação. Para
o hinduísmo, kaivalya representa o nível alcançado por um jíva-mukta
(liberado-em-vida). Nesse plano encontra-se o indivíduo que se libertou das
leis, dos mecanismos da Natureza e dos limites do ciclo existencial, conquanto
ainda nele habite.
Pátañjali define kaivalya como “o estado em que os
gunas entram em equilíbrio e se fundem, não tendo mais utilidade para o
Púrusha; é o estabelecimento do poder de conhecimento em sua própria natureza.” Yoga
Sútra, iv, 34.
Kaivalya, em linguagem Sankhya, significa
transcender todos os tattwas da Prakriti. Ainda que habitando nas dimensões
mais sutis da Natureza, predominantemente sáttwicos, nenhum
indivíduo poderá usufruir dessa condição para sempre, já que esses planos de
existência são, simplesmente, estados de consciência.
Muitas vezes, uma pessoa se confunde com seus
próprios pensamentos, sentimentos e instintos; mas à medida que sutileza suas
percepções, é menos escrava deles. Então poderá aperceber-se apenas como
testemunha e, em princípio, não se deixando influenciar pelos processos que
caracterizam a Prakriti.
Enquanto não conseguem deslocar o centro de
observação, os homens estão presos ao samsára. Dependentes do mundo
dos tattwas, são governados pelos cinco sentidos e também por atrações,
vontades, temores, lembranças e esquecimentos. Para pôr fim a uma tal
escravidão é preciso que redescubram o que realmente são e que está implícito
em todas as manifestações da Natureza.
Dentro de cada ser, o Púrusha ilumina cada
tattwa da Prakriti. Ao mesmo tempo, ele não é cativo nem liberto. De fato, o
estar livre pressupõe um estado prévio de encarceramento, e não se pode dizer
que alguma prisão seja capaz de detê-lo ou afetá-lo.
Somente a partir do tattwa mahat, isto é, em estado
meditativo, no qual os gunas já não têm tanta interferência, é que o Púrusha se
sobressai, “libertando-se” dos processos que persistiam continuamente ao seu
redor. O polimorfismo infinito do universo acontece devido aos estados da
Prakriti que surgem na forma de: eu vejo, eu faço, eu gosto,
etc. E a confusão acontece ao supor que esse “eu” seja o Si Mesmo,
o Púrusha.
A libertação, kaivalya, consiste em romper o elo de
envolvimento entre o Púrusha e a Prakriti. Segundo Pátañjali “A libertação
(kaivalya) é alcançada quando sattwa atinge uma pureza (shuddhi) igual à de Púrusha.” Yoga
Sútra, III, 55. Tal
libertação somente é possível quando mahat, expressão mais próxima da Prakriti,
leva o ahamkára (egoidade) a uma autotranscendência, revelando, finalmente, a
essência do conhecimento em si.
Concluindo, para a filosofia Sankhya, será pela
analogia, pela observação da Natureza e, principalmente, a partir do estado de
consciência intuicional (dhyána), que poderemos compreender e, ainda, vivenciar
as mais variadas dimensões do Universo. Tal compreensão e experiência estão
acima do atual estágio da humanidade, dentro do qual linguagem alguma é capaz
de discorrer ou demonstrar satisfatoriamente.
Assim chegamos à fronteira final onde Sankhya
termina e o Yoga se inicia. O Sankhya se encerra na especulação e no
desenvolvimento de teorias que explicam a existência, mas tal conhecimento se
torna estéril quando não é fecundado pela prática do Yoga.
[3] Neste ponto, podemos discorrer sobre outro
importante diferencial entre o Sankhya e o Vêdánta. Para o Vêdánta, a Mônada,
produto final da evolução, possui três qualidades que são: sat, chitta e ánanda
(ser, consciência e felicidade, respectivamente). De outro lado, o Sankhya
considera que essa essência não poderá ter quaisquer atribuições, já que estas
corresponderão a uma projeção de nossas expectativas dentro da limitada
dimensão humana na qual nos encontramos.
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