4 de fevereiro de 2010

A volta do ator à sua home


O ator está sentado em uma mesa, cheia de livros sobre a arte, sobre Hamlet e sobre auto-ajuda.
Ao seu lado direito, numa televisão, o Hamlet de um ator inglês clássico está monologando em preto e branco.   No plano baixo a frente da tevê, cartas estranhas de tarôt em punhados dispostas em círculo . Do outro lado, de forma simétrica, um “escudo do mestre” de RPG.
Pouca luz, ele coloca a luva de tesouras, de garras, sua arma ninja. Mas as tesouras são invisíveis, elas não cortam. Elas não danificam. Melhor pegar em armas? O ator está vestido de apresentador pateta, que vai discursar com a autoridade de uma Barbara Heliodora gótica sobre o solilóquio de Hamlet. Faltam-lhe as palavras, ele gagueja, não sai natural. Natural de cú é rola.  Ele olha par o Hamlet vídeo,  vislumbra alguma luz em final de um longo túnel interditado pela chuva. Mas as luzes das saídas de emergência estão apagadas. O vídeo fala, mas não dialoga. Ele é um bobo da corte, morto em sua incompetência de pensar o que falar de um Hamlet. Precisa ele ser Hamlet? Precisa? Mas como não... Ele pega seu telefone celular e liga ao acaso para algum amigo de oficio, como um desesperado, dentro de  prédio em chamas, em busca de um bombeiro nova iorquino, pronto pra ser retirado do alto de sua torre avariada. Quando o telefone atende (seja a pessoa ou caixa postal) o ator/vitima sente pela voz/recado que o bombeiro não pode socorrê-lo, e, aceitando seu destino/acaso, impõe sua poesia rota e carcomida. O ator-vítima tem um rompante, vai tentar ser Hamlet. Não consegue. Não consegue. Não consegue. Frustrado, ele tenta. A roupa para tirar é difícil, a atenção-tensão da platéia está sobre ele,  há expectativa, duvida, olhar de zombaria. Ele re-tenta. Não vai dar.
Vai se vestindo, se despindo, à vista e escondido, ao mesmo tempo em que liga pra outro numero, na verdade, agora ele quer dizer para algum amigo de oficio aleatório, representante da mídia e do status quo do entretenimento barato e raso que ele vai pular em Hamlet.  Mas mesmo a queda é difícil, pois ela parece que não termina... E ela não termina. Hamlet em queda, em vertigem, sem amparo e zonzo, não consegue vestir-se. A roupa está estranha, muitos já usaram e deixaram seu numero nela. Enquanto muda de roupa, troca de cena na tevê. Surgem mais Hamlets; do Kenneth, do Brook, Ensaio.Hamlet , Animaniacs , todos como um turbilhão de referências, formas, poética, parodias, recontextualização, crítica, desafio . A bota é do Didi. Mas não o Didi Mocó,  da sua Turma, dos Trapalhões.... Didi de Godot. Ela é difícil de calçar, dói, está apertada.  “Tá apertado, mãe”. Alguem já disse isso. Pause na tevê, a imagem está congelada no inconsciente. Ele pega a Caveira. A Caveira do bobo-babá guarda o cérebro do espantalho de OZ. É de plástico, mesmo o espantalho sendo de feno. Cérebro do espantalho de OZ? Que diabos isso está fazendo ai???????
Ele leva a caveira pra tirar a sorte no Tarôt da Vertigo/DC. Mar de cartas estranhas com seus arquétipos Junguianos, desenhada de forma gótica. Ele atira cartas ao chão. Elas não são visíveis, mas estão lá. Vai jogando até que aparece a Morte/Death. A Carta da Morte , estilizada, trás uma rosa azul. A rosa azul salvaria Hamlet, salvaria o ator, salvaria a platéia. Mas ela está dentro da carta. Então ele entende. Tudo é um jogo, ele é um jogador. Ele só gostaria que o jogo fosse mais justo, mas é um jogo, tem que jogá-lo. Jogo. Dados. Interpretação de papeis. Roleplaying. Fudeu. Não tem jeito. O ator/Hamlet/fracassado vai entrar em cena. Ele sabe que lá fora o mundo está morto e doente, mas os canibais querem devorá-lo. Ele está pronto para o sacrifício. Vamos comer Hamlet? Que gosto que o príncipe da Dinamarca tem? Será podre como o que vai por lá? Polônio e Claudius já saíram de cena. É agora, cena. Ora de entrar... Em cena.

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