30 de novembro de 2013

É de toda a arte que seria preciso dizer: o artista é mostrador de afetos, inventor de afetos, criador de afetos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz transformarmos com eles, ele nos apanha no composto.  DELEUZE 2005

Sofre o ator que se preocupa em “chegar a certa emoção”. Lógico, cada um tem seu caminho, sua forma, seu método...  Mas se o teatro hoje não tem incentivos para concorrer com outras artes midiáticas que são mestras em “representar a realidade”, ou mais, se “representar a realidade” é um ato de se concordar com o que aqui está,  a falida política vigente de opressão velada, que se diz apolítica, então só é arte anárquica àquela que corre por outro caminho.

Qual outro caminho? Não sei, até aqueles que se dizem “contemporâneos” ocasionalmente se rendem também ao sistema, dispostos a se sustentar, enquadrar seus projetos em leis de incentivo fiscais absurdas e desumanas... Por uma questão de sobrevivência.

Pensando bem, sempre acreditei que a mudança vem de dentro e não de fora, tentando se empurrar algo em cima do que ai esta. Mas também não sei se só mudar alguns detalhes hoje em dia basta. Percebo que se torna pouco ousado, pouco renovador.

Mas ainda sim – não sei se para o publico em geral, mas pelos para alguns espectadores, artistas performáticos e para mim - o teatro transforma. Seja o must do “contimporaneu”, seja o dito teatrão com escapes visuais e truques de ilusionismo, ainda sim, com a presença do ator (e só não uma ilusão de ótica somente projetada numa tela (sic)) ainda sim isso de fato me transforma, especialmente porque sou absolutamente cara de pau de ir conversar e sentir os atores após quaisquer espetáculos.

Outro dia quando um espectador agradeceu um ator pelo espetáculo que assisti, por um segundo eu também quase disse “de nada”. Está tão empregado em mim o trabalho sobre a minha senciência, sobre a minha capacidade de sentir, que me considero parte do espetáculo, mesmo somente como espectador. Quase ou parecido com “espectador emancipado”, como propõe/analisa/ensaia (sei lá o termo) o Rancière:  Que de faço pertenço ao espetáculo.

 Alias, isso também se dá na frente da lente. Levei o teatro, regulando devidamente sua dimensão para o mais minimalista dos fazeres, para o trabalho para câmera. Tornei aquele pequeníssimo espaço um palco.
Não fiz nada demais, muitos fizeram e fazem isso. De fato para mim, independente da linguagem, estilo, forma, mídia, local, veículo, a arte do ator é se deixar transformar pelo mundo ao seu redor.  É essa vivência, essa entrega. Por isso que duvido do status de celebridade de um modo geral. Não que um artista não possa ser celebre, há muitos mas a celebridade que ai está sustenta o status quo, normatiza, atesta, impõe o sistema que ai está. Ele não convida, não instiga debates, não propõe possibilidades a partir de sua afetação com o mundo em suas muitas faces, apenas a que precisa ser vendida.
Talvez não a celebridade, mas o sistema que regula a celebridade, não posso falar de dentro do status de celebridade, pois não o vivenciei plenamente, apenas convivi. Mas é desse sistema que falo contra quando o ator tem que se sensibilizar, se deixar alterar e vivenciar a cena, pois esse sistema do falso conforto e da falsa liberdade, vulgariza a vivencia, impede o questionamento, repudia a dúvida, recrimina o erro, descarta a alteridade.
Sei lá, viajei. Queria falar sobre ação em detrimento da reprodução e acabei desviando o assunto. E acabei falando sobre outro tipo de resistência que não só à relacionada ao trabalho do ator... Ou talvez sim. Sei lá.

Leia algo sério e melhor sobre isso:

Conservar e resistir difere radicalmente de fixar um referente e reproduzir. A arte inspira-se no vivido, nas relações dos corpos, nas afecções e nas percepções para extrair afectos e perceptos. Os seres de sensação, ao se conservarem, abrem-se para a produção de novos devires, novas possibilidades de existência. A arte resiste ao desterritorializar o sistema de opinião, talhando fendas no guarda-sol que nos protege do caos. Ela é contraponto que vence a opinião e extrapola o vivido. Arte-fabulação, cujos os seres de sensação, seres de fuga tornam-se traços de expressão possibilitando a metamorfose, já que inventam novos mundos, compõem universos capazes de rasgar os significados, “estourar as percepções vividas”, percorrer direções e sentidos diferentes. No momento em que fixa um só sentido, buscando a significação e a informação, a arte perde o seu poder de existir e resistir. LINS 2007

17 de setembro de 2013

Interúdio do Transylvania Chronicles

Interúdio do Transylvania Chronicles , jogo de 2006
Gênova –
- "Quero dizer, acho que foi um pesadelo..." A Tzimisce olha da sacada para a rua, com o semblante pesado. "Não haveria motivo nenhum para sonhar com Ana se não fosse por isso..." ela fita a escuridão das ruas, procurando alguma presa humana com seus sentidos aguçados.
"Não se subestime, Milenna, você já teve esse tipo de premunição antes" - Lorde Marcus se aproxima e toma sua mão "alem disso, você compartilha o mesmo vitae Grimaldi de família, e apesar de ela nem saber que você ainda “existe”, vocês são primas cresceram juntas..."
A Tzimisce sorri com seus caninos salientes: "Não sou mais aquela pequena Revenante há anos, meu bom amigo, não desde que meu sire me escolheu como sua cria e mesmo após sua morte no levante contra os anciões, mesmo que eu tenha bebido o sangue do coração dele e me tornado sétima geração de Caim, com sua ajuda..."
Ele completa sua frase " ....e que seus os poderes do sangue de suas vidência tenha se amplificado..."
Ela interrompe o Lasombra "... me assim dando pesadelos sobre primas de consanguínea cainita. De fato essa existência é amaldiçoada por inteiro. Como é grande a ironia da Maldição do Primeiro Assassino" Seus olhos se fixam em um mendigo que anda cambaleante pelas ruelas, parando para urinar.
"De fato, minha cara, mas antes ser o caçador que a caça" o corpo de Lorde Marcus começa a ficar coberto pelas sombras da noite. Algo de quase vivo nessa escuridão parece obedecer a sua vontade "Mas não nos preocupamos em filosofar sobre nosso estado agora e sim de sermos o que nós somos."
A escuridão é quase total na sacada, que de repente está completamente banhada de vermelho sangue, sangue este que começa a se mover bizarramente pela parede do prédio baixo. A escuridão segue a lamina rubra de sangue pelas ruas abafando quase toda luz e som de onde passa, inclusive o grito desesperado do bêbado que mijava.

Budacarest –
"O que houve, meu amor?" Lucita levanta o corpo de Anatole do chão
 "Nossos amigos, por Deus, eles estão á passos de despertar o ...o .. o ...Nãããããããããoooooo!" após eu grito Anatole se silencia. Rumina algo em latim, ajoelha-se e volta á rezar.
Lucita sabe que nenhuma profecia sairá, na verdade mais  nada irá sair de sua boca. Não por pelo menos muitas noites. Sem se importar agora, ela resolve voltar á sua leitura do manuscrito da Brujah Adana sobre a Camarilla que recebeu de Stanislau no Castelo Hermanstadt. "Melhor isso do que Monçada" ela suspira tentando se convencer de suas palavras.
  
Klausenburg –
A imensa loba uiva para os outros dentro da noite. A resposta não é nada animadora. Dentro desse choro informações assustadoras são passadas. A loba sabe do que eles falam. Sabe dos perigos que ela deixou para trás há poucos anos está para novamente amaldiçoar seu caminho e sabe que estar longe significa perder mais uma vez o rastro ancestral de seu amor. Mas ela sabe de sua responsabilidade também e em poucos segundos seu corpo começa a se transformar. Sua pelugem se torna mais negras, seu focinho, troco e patas, menores. Bem menores. Apenas os dedos das patas dianteiras mantém algum tamanho e uma película fina os liga por toda a extensão das juntas. Em poucos segundos, onde estava a loba, um morcego fêmea e sombrio levanta voo em uma velocidade impressionante pela noite da Transylvania . O destino: sudeste.

Em algum lugar entre Balgrad e Hermanstadt –
E velha cigana joga o ovo no chão. Sangue em lugar de clara e gema. A voz da Baba é rouca e viscosa: "Seus amigos estão levando o filho de Dracul para a Boca Sangrenta. Lá ele aprenderá a verdadeira natureza dos Fiends."
O cigano mais novo permanece agachado, com o semblante de desapontamento. A outra cigana "Eu disse que os vi no castelo de Oto. Eles estavam lá, pajeando Rustovich. Se anunciando mensageiros de Radu. E levaram Vlad depois da confusão dos Anarquistas". Ela dá meia volta e caminha para fora da carroça.
"Eles vão entregar o Impalador para eles, velha Durga ?" Pergunta o cigano.
A velha sorri, seu rosto horrendo se contorce e suas presas se salientam "O que está feito está feito, pequeno Dimitri" Ela acaricia um corvo negro e o lança á voar pela janela. "E o que está destinado á acontecer... Bem, isso é certo de ser inexorável. Mas é claro que os dons de sentir o fluxo da Roda do Karma não é um dom de Santa Sarah (ou Kálí ou Lilith, como preferir), apenas para ser apreciado, e sim, para ajudar aqueles que tem a motivação e coragem de ajustar as coisas. Deixar Fluir o que deve acontecer, protelar o que pode ser protelado e impedir o que deve ser impedido. Só resta á você, meu caro, e aos seus amigos entenderem o que devem fazer, dentro de seus amaldiçoados corações. O que você me diz então?"
Dimitri nada responde, mas levanta-se e segue seu corvo pela noite. A Durga permanece sozinha em sua cabana, fitando um punhal com o símbolo de um dragão em seu cabo. Uma lagrima de sangue cai de seu olhos "Ah, meu belo e jovem Rei. Se você soubesse o que o destino reserva para teu filho... Talvez você não tivesse nunca me ouvido. Talvez você tivesse me destruído. Que MahaKálá se encarregue de seguir seu fluxo ....inexorável.".

Ruinas do Castelo Hermanstad –
Zelios termina de escrever a carta, colocando de volta a pena no tinteiro. Se levanta da mesa e lê em voz alta para si. "Minha cara Ruxandra, apesar de você insistir nesse engodo, ao preço de nossa vidas, não posso compactuar com isso. Nem mesmo que pela diversão que seja enganar os Voivoides Tzimisce e os Patrícios Ocidentais Ventrue, o risco é alto demais. Principalmente após ter arriscado a vida de meus aliados duplamente, se escondendo em seus domínios ou deixando o incêndio dos Anarquistas quase destrui-los. Sei que eles podem estar entregando o mortal Dracula para os Voivoides, mas eles não tem culpa de desconhecerem as profecias ou mesmo de saber o quão arriscado são seus movimentos. Ao menos eles não entregaram ele para Buscul ou qualquer outro Patrício Arpad. Agora você está por sua própria conta. Estou partindo para o Oriente e deixo-a sob sua própria sorte,  minha falsa Príncipe. Que Caim tenha piedade de sua alma maldita. Seu grão sire, Zelios." O Nosferatu fecha a carta em um envelope. Depois volta a sua atenção para os mapas em cima da mesa. O papiro carcomido do primeiro diz "Egito Antigo" em latim. Zelios quase sorri.

Alamut –
Tariq e Al-Sharad conversam telepaticamente. O assunto é o único mortal que derrotou um Califa Assamita em milênios, Drakulya. Al-Sharad se levanta e ruma para o Sanctum de sua Cria. Tariq não está nada feliz. Ele reabre as "Escrituras de Haquim" e passa novamente sobre o capitulo das profecias de Ynosh. Ele não acha nada sobre o mortal e a Catedral de Carne. Ele continua infeliz. E preocupado. Ele volta a meditar em Maomé em busca de conforto. Mas ele sabe que isso não dará resultado. E a próxima reunião do Conselho dos Pergaminhos está tão distante...

Umbra Profunda, Enoch –
"Marcus Vitellinus" passeia pelo jardim de Zillah. Na frente do templo do Aralu, o Lasombra, que muitas noites atrás era conhecido como Lucius Aelius Sejannus lê os nomes do Aralu. "Nergal, Al-Marih, Loz e Nimug". Ele olha para as sombras distantes da Primeira Cidade e tem a impressão de que elas olham para ele. "Se você soubesse, minha cara Cria Lady Miriam, em que você está se metendo..." Ele não consegue deter seu sorriso.

Budapeste –
"Conte, Havnor, conte para eles... Diga a eles, diga a eles, meu caro" Octavio ouve em sua mente.
"Não, eu já avisei a eles. O que quer que você queira que eles saibam esta noite você deve ir lá e dizer a eles você mesmo!"
E então, misteriosamente "a voz" em sua mente se cala. Octavio, depois de muitos anos, quase suspira aliviado. Mas ele sabe que será por pouco tempo. Ele testou a paciência da "voz" pela ultima vez... Ele roga para que o seu descanso nos caninos do Profeta da Gehenna chegue logo. Ele não aguenta mais existir. E ele também chora lagrimas de sangue, pois sabe que ainda vai levar um tempo para isso acontecer.


Ceoris -
Etrius veda a passagem para a tumba de seu mestre. Por um breve segundo, ele ouve um vento que ainda escapa pela entrada. Por um segundo, aquele vento lhe parece familiar. Lembra quase uma leve risada maquiavélica que seu patter costumava dar no período entre sua transformação em Cainita e o Amaranto de Saulot. Ou ainda após disso, nos poucos períodos que ele permaneceu acordado. Mas algo quase inaudível por trás dessa risada a acompanhava. Afastando essas bobas lembranças de sua mente, Etrius novamente torna a repetir os encantamentos de proteção para impedir o acesso de outros á câmara de Tremere. Os pensamentos nas notícias de Celestyn e na tarefa de prender o fantasma do Faraó Fantasma dispersa a sensação terrível da possibilidade de seu "sire nominal" estar gargalhando em seu torpor ...

Igreja Negra de Kronstadt
...E como em ressonância á brisa vinda de Ceoris, outra vem do sarcófago de "Lugoj”. O revenante Rhuven se contorce de medo, ao ouvir um ruído vindo do descanso de seu domitor. Desde o seu ultimo discurso para os anarquistas após o ataque á capela sombria do Anciente, o "Quebrador do Laço" ainda não havia se manifestado. Em sua mente, apenas uma palavra ecoa... Gehenna...

Passagem Tihuta -
"Você os perdeu, eles acabaram de sair" Radu olha com preocupação para a escuridão de sua sacada. "Eu lhes dei a palavra de fazer da Grimaldi sua cria, e de Wenceslau.. "
O Voivoide dos Voivoides interrompe "Você percebeu o poder de Yorak sob nossas mentes? Em séculos nenhuma vez ele interviu tanto quanto agora. Existe algo de realmente especial naqueles meninos e, principalmente, naquele mortal Draculesti. Não gostei nem um pouco de receber ordens, principalmente do Sacerdote de Carne, ainda mais agora que o Anciente foi destruído... Nós podemos contra ele, Radu, se nos unirmos á Vykos e Veyla..."
Radu interrompe "Basta, Rustovich. Seu ódio pelod Lupinos está se transbordando para Yorak. Olhe o que você está me propondo, meu caro!"
 Rustovich começa a se desemcorporar, transformando-se em névoa "As opções estão acabando meu caro. Logo o discurso de Hardestadt estará insuflado pelos Patricios Arpad. Logo os Anarquistas irão perder força e precisarão de liderança. Logo Tabak, Dragomir e Vikto virão atrás de nós, querendo que os lidere ou que pereçamos como os senhores deles. Amlas e Fagaras já estão em contato com eles. As Taras também. Shaagra já foi contatada. Logo apenas seremos eu, você e o outro Matusalém contra todo o clã. Você vai querer mesmo resistir ao Clã  e tentar novamente a ideia falida de se unir em um novo Conselho das Cinzas, com Nova, Marusca e outros peões dos Fundadores, ou pior, se manter acuado nesta fortaleza até que o Pai Negro se levante?"
Radu está sozinho. Ele medita fitando a noite. Um morcego enorme passa por sua cabeça. Não é Rustovitch, Radu tem certeza disso. Mesmo com seu vasto poder de Presença, o Príncipe exilado percebe que está muito perto de ser devorado pelos mais velhos, como o Arcanjo Gabriel professa na versão cristã do Livro de Nod. "Se for para dar meu vitae... Que seja para que eles se prendam em Laço... Mas eles nunca terão a minha alma!" O próprio Ancião se surpreende com sua vivacidade. Existe paixão ainda nesse velho cadáver. "Que venham os novos tempos, que venham as novas seitas. O regente delas será o mesmo.Eu. Eu!” E uma gargalhada soturna e maléfica transborda de sua garganta. Uma brisa passa pelo castelo, como se respondesse a gargalhada de Radu, como se desdenhasse da força do velho ancião. 

23 de agosto de 2013

A luz está apagada. Na plateia, o espectador se aquieta. Seu calar, sua predisposição a ser bombardeado por todo um simulacro de vida está para começar. A única luz que acende é a de seu aparelho móvel, para logo, logo apagar-se. Ele não está mais disponível para ser achado em qualquer lugar por nenhum satélite artificial em órbita terrestre. Um terceiro sinal toca, a peça está para começar. A luz acende. Acende ou ascende? O espectador se assusta. Ele não reconhece o que está na sua frente. É amórfico. Não é nada. Ou talvez seja, mas se é alguma coisa, é tão rápido que chega ser imperceptível ao olho humano. O espectador fica aflito, seria melhor se a luz estivesse apagada. O espectador se mexe, inquieto na cadeira, tentando identificar naquilo, algum sentido, algum propósito. Racionalizando, especulando...

            E por um breve e precioso segundo, ele percebe, de forma abstrata, algo ali que lhe é estranhamente familiar. Algo que ele já foi, ou será, ou talvez ainda seja... E se questiona como isso é possível. O espectador não entende, mas passa a observar, e ao mesmo tempo que observa, passa também a vivenciar alguma coisa. Agora ele gostaria que a luz estivesse mais potente. “Luz, mais luz” ele pensa. E essa invocação é atendida. Naquele momento, todas as luzes do teatro estão acesas. Todas. Inclusive e principalmente as de saída de emergência. O espectador percebe que ele está em cena, junto com aquilo ali que está em sua frente, no palco. É sobre ele que aquele veículo de alegorias e simbolismos, flutuante e inconsistente, está falando. Ou sobre algo dele, algo que agora está em plena luz. São improvisos, monólogos, comédias, clássicos, rock´n´roll brazuca, religião, auto-ajuda, poéticas, “distanciamento”, performances, sofrimento em dança... Tudo aquilo que o espectador julgava, antes de morrer e renascer à luz do teatro, não existir em si mesmo. E que mesmo sob a própria luz, ainda julgue se é que existe mesmo em si. O espectador está tão exposto nesse momento que ele questiona até se julga alguma coisa. Será ele tão amorfo quanto aquilo que está no palco? E como viver com essa angústia, naquele mundo fora do teatro? Será que o mundo fora do teatro é o mundo real? Ou será que ali, naquele local, esteja uma possibilidade do mundo ? O mundo está girando? A galáxia? O universo? A co-presença corporal ator-espectador está girando vertiginosamente?


             De repente, novo susto para o espectador. Todas as luzes se apagam. Ou quase todas. Aquela primeira luz ainda está lá. O ser amorfo some quando esta ultima, por fim, se apaga. Novamente a luz retorna. É um ator que está no palco. Ele está cansado. Suado. E ele se choca. O espectador não está mais lá... Ele desce do palco, aflito. Procura de forma desesperada o espectador. Não houveram aplausos. O ator não sabe se o espectador gostou. Não sabe se tudo que ele viveu surtiu algum efeito. Não houve agradecimento, crítica, sorriso, indiferença, conselho, vaia, choro, nada. De repente, o ator, ainda desamparado, percebe muito rapidamente que a poltrona onde o espectador está diferente. Ela está marcada em volta, como se alguém houvesse ficado sentado ali por muito tempo. Intuitivamente, ele olha para o seu banquinho no palco. Ele está molhado de suor. O ator percebe que ambos, ele e o espectador, ocuparam espaço, modificaram o mundo ao seu redor, se modificaram. Então, ao se mover por acaso, o ator então percebe por um breve instante algo espetacular para ele. Um feixe de luz partiu de sua poça de suor sobre o banquinho em direção á poltrona marcada. Foi muito rápido, mas o ator viu. Sorrindo, resolve bater palmas.

10 de maio de 2013

Viajando no Artaud e no Stanislávski



Quanto procura se apropriar de questões relativas à contemporaneidade cênica a partir de seu legado por intermédio de seus escritos e dos documentos  que registram sua prática teatral, pode-se reconhecer em Antonin Artaud (1896-1948), um deslocamento de foco nas reflexões sobre o teatro, um deslocamento que será determinante para o desenvolvimento dessa forma de arte no século xx.
            Podemos pensar que, por inicio, o primeiro reformadores do trabalho do ator, a começar por Constantin Stanislávski (1863-1938) nos oito últimos anos de sua vida, a segunda fase de suas pesquisas - a mais importante de sua obra, por ser abrangente e conclusiva -  desenvolveu seu método, o Sistema das Ações Físicas.   
Antes desta sistematização o ator ocidental aprendia na imitação do mestre (um ator mais velho que transmitia ao aluno-ator os passos, os textos e formas pré-concebidas etapa por etapa). Já neste sistema o diretor russo subordina a técnica e a criatividade, não mais à psicologia, como na fase anterior, mas à expressão física - vivência - das ações.
O primeiro passo para estabelecer um processo criativo orgânico passou a ser a relação física do ator com os objetos e pessoas que estão à volta e que são a base de suas sensações. Stanislávski dá ao ator o status de criador cênico. Não mais mero reprodutor das ideias do diretor. Faz do teatro um processo onde autor, diretor e atores promovem uma unidade de criação cênica, tendo-o como fruto de experimentação prática e contínua, onde os sentimentos interiores e exteriores do ator correm de acordo com as metas fixadas para eles, e não há absolutamente nenhuma coerção ou desvio de norma, nenhum clichê ou qualquer espécie de atuação convencional. Bastante apropriado para o ator que quer romper com formas antigas e buscar uma autonomia na sua composição. Porém o sistematizador russo partia do texto como pontapé inicial de sua criação e por conseqüência do processo que seu sistema sugeria ao ator. Ao passo que Artaud irá questionar esse “pré-conceito” ao transcorrer sobre um dos Duplos do Teatro, a Metafísica;
“Como é que o teatro ocidental (digo ocidental porque felizmente há outros, como o teatro oriental, que souberam conservar intacta a idéia de teatro, ao passo que no ocidente esta idéia - corno todo o resto - se prostituiu), como é que o teatro ocidental não enxerga o teatro sob um outro aspecto que não o do teatro dialogado? “
Contrário à imposição da palavra como única matriz geradora do espetáculo, o artista francês coloca em evidência a imporncia dos outros elementos presentes na encenação para o alargamento das possibilidades de significação do teatro: o ator, com seu corpo e sua voz; a iluminação; as sonoridades da música e da palavra; o figurino; e o espaço. Sobre outro Duplo, a Peste, mostra o quanto essa junção caótica: 
“ Uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente comprimido, leva a uma espécie de revolta virtual e que aliás só poderá assumir todo o seu valor se permanecer virtual, impõe às coletividades reunidas uma atitude heróica e dicil.”
Nesta dificuldade e heroísmo próprio dos mitos, podemos dizer que Artaud buscou, assim como Wagner, um "teatro total". Porém, as concepções diferenciam-se em seus fundamentos. Na Gesamtkunsterk wagneriana, todos os elementos do espetáculo deveriam estar a serviço da "arte maior": a música. Artaud, por sua vez, influenciado pelas estéticas teatrais orientais, apesar de reconhecer na música princípios fundamentais para a estruturação do gesto e da palavra, não estabelece uma hierarquia entre os meios de expressão utilizáveis em cena.
No que diz respeito, portanto, à ação física, o artista francês contribui para o seu desenvolvimento enquanto conceito, à medida que utiliza como "matrizes geradoras" de ações, os diferentes "duplos" do teatro como a metafísica e a peste.
Para Artaud, a experiência teatral deve ir além do exercício puramente intelectual. Através de suas elaborações teóricas e de sua prática, o teatro volta-se, assim como já ocorrido com as outras formas de arte, para o específico de suas possibilidades expressivas, as quais, antes de contar uma história, devem agir sobre os sentidos.
Em resumo as matrizes geradoras das ações físicas se descolam  do textocentrismo com Artaud, pois no seu teatro e conseqüentemente nas ações executadas pelos atores, ele se utiliza dos “duplos” como a metafísica e a peste para tornar-las signos.  

* Chamo de Sistema de Ações Físicas já que Stanislávski não criou um Método, nunca chamou de método e sim de um sistema. Ele não deixou um ‘como fazer’ passo a passo. A única forma de passar pelo Método das Ações Físicas seria através do próprio Stanislávski, em pessoa. Além disso, tantos seguidores do diretor chamaram o que interpretam como seu sistema como “Método”, como, por exemplo, os criadores do Actor Studio norte-americano. Portanto, para propósito deste texto, utilizei terminologia Sistema das Ações Físicas.

3 de maio de 2013

Neo Kal-El

Vi o trailer do Homem de Aço essa segunda. Os tempos mudam. E mudança sempre é bom. Até quando é pra nos trazer um sentimento tão feliz chamado saudosismo. Coisas que balizaram nossa jornada nessa "vida louca vida, vida breve". E eu me peguei mais uma vez lembrando que quando acreditei junto com o Gilberto Gil que um homem veio “nos restituir a glória”. E que ele podia voar. E ainda pode.

Os tempos mudam. Todas as adaptações televisivas já apontam o caminho pros leigos que aquele deus voador, depois desse filme, passaria a olhar cada vez mais para dentro. Esse é o nosso momento, e como um ícone Pop, ele não tinha como olhar mais para frente, para nós  e sorrir. Para acreditarmos na interpretação realista e nos CGs cada vez mais os heróis estarão voltados muito mais pra sua jornada interna do que olhar para o coletivo. Esse é o nosso momento: O mundo cresce cada vez mais, tudo altamente mapeado, seja o GPS, o Satélite ou o Microscópico. E cada vez mais apenas olhamos pro nosso individual com a desculpa de que assim cuidamos melhor do coletivo. O Campeão Social da Justiça dos novos tempos não sorri, sofre com seu fardo, com seu legado, com sua herança, ao que ele está pré-destinado. Essa é a sua nova Kriptonita. E exatamente quando mais precisamos de um campeão social, pois quem hoje quem olha pro coletivo apenas o faz por demagogia ou interesse próprio, sem sacrifício. Mas a consciência da dor da Kriptonita é boa. Pois quando ele transpõe sua fraqueza ele se torna mais Super. E espero que o Homem do Amanhã vença essa batalha, o melodrama egoísta, o medo e o receio de ser quem ele precisa se tornar, quem nós, os fãs, precisamos que ele se torne. Aquele que precisa usar seus Super Sentidos de dentro para fora.

Os seus dois pais, dois “nerds judeus” que o criaram pegaram toda a sua dor de serem menosprezados e deram para seu filho como a sua maior potência. O seu maior Super-poder. E então, vários anos depois, um diretor de cinema que tinha a tarefa de fazê voar na tela grande resolveu que o que lhe daria essa habilidade seria a sua inocência pueril. Para que o homem pudesse voar ele teria que fazer com que a plateia acreditasse como as crianças acreditam que a fada que voa e que faz o Pueri Eternus voar existe e precisa que eles afirmem sua crença para que ela continue existindo.   

Torço pro Cavill arrebentar no papel de Kal-El. Porque esse sorriso aqui
quebrando "a quarta parede", nos dizendo que é apenas um filme e mesmo assim você acreditou e voou com ele, esse aqui pode até ser superado, mas não será, pelo menos para os fãs, não será esquecido. Que venha o novo Homem de Aço.