27 de fevereiro de 2010

Ultima viagem

É de toda a arte que seria preciso dizer: o artista é mostrador de afetos, inventor de afetos, criador de afetos, em relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz transformarmos com eles, ele nos apanha no composto. DELEUZE 2005

 

Sofre o ator que se preocupa em "chegar a certa emoção". Lógico, cada um tem seu caminho, sua forma, seu método... Mas se o teatro hoje não tem como concorrer com outras artes midiáticas que são mestras em "representar a realidade", ou mais, se "representar a realidade" é um ato de se concordar com o que aqui está, a falida política vigente de opressão velada, que se diz apolítica, então só é arte anárquica àquela que corre por outro caminho.

Qual outro caminho? Não sei, até aqueles que se dizem "contemporâneos" se vendem também ao sistema, dispostos a se sustentar, enquadrar seus projetos em leis de inscentivos fiscais absurdas e desumanas... Por uma questão de sobrevivência.

Pensando bem, sempre acreditei que a mudança vem de dentro, e não de fora, tentando se empurrar algo em cima do que ai esta. Mas também não sei se só mudar alguns detalhes hoje em dia basta. Percebo que se torna pouco ousado, pouco renovador.

Mas ainda sim, não para o publico em geral, mas para mim, o teatro transforma. Seja o must do "contimporaneu", seja um teatrão com escapes visuais e truques de ilusionismo, ainda sim, com a presença do ator, e não uma ilusão de ótica somente projetada numa tela (sic) ainda sim isso me transforma, especialmente porque sou absolutamente cara de pau de ir conversar e sentir os atores após quaisquer espetáculo.


Ontem quando um espectador agradeceu um ator pelo espetáculo que assisti, por um segundo eu também quase disse "de nada". Está tão empregado em mim o trabalho sobre a minha senciência, sobre a minha capacidade de sentir, que me considero parte do espetáculo, mesmo como espectador. Quase ou parecido com espectador emancipado, como propõe/analisa/ensaia (sei lá o termo) Jacques Rancière, que de faço pertenço ao espetáculo.

Alias, isso também se dá na frente da lente. Levei o teatro, regulando sua dimensão para o mais minimalista dos fazeres, para o trabalho para câmera. Tornei aquele pequeníssimo espaço um palco.

Não fiz nada demais, na verdade, pois, para mim, independente da linguagem, estilo, forma, mídia, local, veículo, a arte do ator é se deixar transformar pelo mundo ao seu redor. É essa vivência, essa entrega. Por isso que duvido da celebridade de um modo geral . Salvo exceções a celebridade impõe, não convida, não instiga debates, não propõe possibilidades apartir de sua afetação com o mundo. Na verdade, não a celebridade, mas o sistema que regula a celebridade. E é desse sistema que falo quando o ator tem que se sensibilizar, se deixar alterar e vivenciar a cena, pois esse sistema do falso conforto e da falsa liberdade, vulgariza a vivencia, impede o questionamento, repudia a dúvida, recrimina o erro, descarta a alteridade.

Sei lá , viajei. Queria falar sobre ação em detrimento da reprodução e acabei desviando o assunto. E acabei falando sobre outro tipo de resistência que não só à relacionada ao trabalho do ator.... Ou talvez sim. Sei lá, não quero somente saber nem só sentir.

Leia algo sério e melhor sobre isso:

Conservar e resistir difere radicalmente de fixar um referente e reproduzir. A arte inspira-se no vivido, nas relações dos corpos, nas afecções e nas percepções para extrair afectos e perceptos. Os seres de sensação, ao se conservarem, abrem-se para a produção de novos devires, novas possibilidades de existência. A arte resiste ao desterritorializar o sistema de opinião, talhando fendas no guarda-sol que nos protege do caos. Ela é contraponto que vence a opinião e extrapola o vivido. Arte-fabulação, cujos os seres de sensação, seres de fuga tornam-se traços de expressão possibilitando a metamorfose, já que inventam novos mundos, compõem universos capazes de rasgar os significados, "estourar as percepções vividas", percorrer direções e sentidos diferentes. No momento em que fixa um só sentido, buscando a significação e a informação, a arte perde o seu poder de existir e resistir . LINS 2007


 


 

26 de fevereiro de 2010

Vagando pela dúvida

Perguntas e respostas possibilidades de caminhos.

Teatro é ficção?

Teatro é ficção, uma versão de fatos, um novo ponto de vista. Visto que não existe verdade, o teatro é tão ficção quanto qualquer versão.

“Senso crítico é aquele que permite fazer escolhas. Com o senso comum, não se constrói nada. É tudo pré-estabelecido.”

Que realismo é possível no teatro?

O realismo extra cotidiano

O teatro realista cria , faz um personagem normal (normalidade) para assim o público se identificar. E no decorrer da peça rompe as paredes da cultura.

Teatro, pra que?

“Para o público ser modificado você tem que propor algo interessante.A função do teatro é colocar tudo em movimento. A humanização da personagem pode provocar um distanciamento da realidade, fazendo assim com que as pessoas enxergarem a realidade.”

“O teatro tem o poder de mexer com a expectativa, mostrando os fatos e as possibilidades.”

O ator potencializa um estado vivencial, extra cotidiano.

24 de fevereiro de 2010

Lendas sobre a origem do Bosque Azul:

Essas lendas e suas variantes eram o material para um Live Action One Shot de Crônicas de Avalon: Beltain do Bosque Azul 522 D.C que, pelo visto, não acontecerá. Mas o texto ficou tão legal que não merece ficar na gaveta.


 

Lendas sobre a origem do Bosque Azul:


 

"Bosque Azul: Um bosque se destaca dos muitos outros do sul do país, onde as árvores cobrem a luz do sol e das estrelas, deixando apenas uma tênue iluminação azulada preencher o espaço entre os troncos. Este é considerado um lugar sagrado para ambos druidas e cristãos, um território neutro respeitado pelos dois grupos."


 

Crônicas de Avalon vol II: A Velha Britânia, Capitulo I: Geografia, Estregales, Importantes Pontos Geográficos : Bosque Azul (pág. 17). Pedro Borges


 


 

Antigas tradições folclóricas da Velha Britânia dizem que o Bosque Azul é o local onde as fadas galesas britânicas, as Tylwyth Teg ( filhas do deus da caça Gwyn ap Nudd ou do deus do Sol e da luz Belenos, nasceram ou apareceram pela primeira vez no mundo dos humanos. Vindas do mundo dos sonhos através de um portal que estaria escondida em uma pedra bem no meio desse bosque. Essas tradições cultuam uma grande pedra com um buraco no meio que fica no exatamente no centro deste santuário. Algumas dessas fadas teriam mais tarde voltado para lá e se tornado seres-arvores, chamadas de Entes adormecidos do Bosque Azul, em um profundo sonhar em um mundo harmonioso, bom e justo neste pais das Ilhas Britânicas. A real grandeza dessas histórias se perdeu no tempo e muito de seu teor simbólico foi esquecido pelos bardos e membros dos Cultos Antigos.


 

Conta uma lenda mais minuciosa que, na verdade, o bosque foi abençoado pela deusa da cura Grannos, a pedido do semideus Beli Mawr. Portanto, o bosque seria um santuário onde todas as rixas e todos os conflitos seriam resolvidos e inimizades e ressentimentos seriam curados. Inclusive o portal para o mundo feérico, de onde teriam vindo as Tylwyth Teg, seria a ligação regenerada dos dois mundos, material e onírico, lembrando o tempo em que eles seriam um só, separados pelo o grande pai dos deuses Sucelllos. Uma variação dessa lenda diz que na verdade foi a deusa das plantas Don, e não Grannos, quem de fato abençoou o bosque e é por isso que suas arvores protegem quem está do lado de dentro do que quer que aconteça lá fora. Ou ainda, que ambas teriam abençoado o local a pedido da grande mãe Modron, triste com a separação dos mundos imposta pela violência de seu finado marido, Sucellos. Enquanto o Arquidruida Agramyr (um dos maiores representantes da vertente Culto dos Dozes da antiga religião) discute com outros druidas quem é a verdadeira matrona celestial do Bosque Azul, aparentemente para a misteriosa matriarca do local, integrante do Culto à Deusa, tanto faz qual filha, mãe, dama, virgem, nome, avatar, arquétipo, ou face da Grande Deusa deixou seu toque pacífico, feminino e materno no santuário. Já os cultistas mais moderados argumentam que talvez o Bosque Azul seja a prova que os deuses chegaram a um algum acordo, pelo menos uma vez, em toda existência, e todos o abençoaram mutuamente. Mas essa idéia é amplamente descartada pela maioria dos crentes na fé antiga.


 

Uma lenda diferente, mais comum entre os supersticiosos camponeses que residem próximo ao bosque, ligados ainda aos Cultos Antigos, falam da ligação de outra ser fantástico com o bosque que não as fadas semi-deusas.O Grande Verme Rubro de Annwn ou, como é mais conhecido, o Dragão Vermelho de Estregales, o mesmo que teria enlouquecido o Rei Pellinore e que assombra a região pantanosa do país, seria o ultimo de sua espécie monstruosa. Praticamente fadado a extinção, esta criatura aterrorizante, para se proteger da ganância e crueldade dos humanos, escondeu seu próprio coração azul, cheio de bondade, enterrando-o no solo do bosque. Seria por isso que esta besta possui no buraco de seu peito apenas maldade e crueza. Também é dito que as raízes das arvores do bosque se infincaram profundamente no órgão auto-extraído da grande fera, refúgio de sua bondade perdida. Seria por isso que as arvores de lá passaram a exalam o amor e benevolência esquecidos que o Verme de Annwn. Dentro dessa crença, alguns poucos membros dos Cultos Sangrentos, a vertente mais bestial da fé pagã, mais especialmente os fanáticos bárbaros da tribo conhecida como Filhos (ou Servos) de Annwn das Montanhas Altas, sugerem que seja necessário fazer anualmente uma prática um tanto bizarra: Um coração de uma pessoa bondosa deve ser extraído ritualisticamente em sacrifício ao verme nos Pântanos do Dragão no solstício de inverno, transportado para o bosque e enterrado á meia noite da próxima lua nova em baixo para alimentar a bondade do local e assim evitar a ira do monstro sem coração. Quase todos outros devotos dos Cultos Antigos discordam dessa idéia dos Filhos, achando que tal sacrifício só alimentaria o buraco de maldade do dragão e o corpo-sombra do ser sacrificado ficaria vagando pelos arbustos e árvores do bosque para todo sempre. Todos, entretanto, concordam que, no caso desse monstro realmente existir, o bosque teria alguma espécie de influencia sobre ele. Segundo os relatos daqueles que sonham e até já o viram, ele evitaria a região sul de Estregales, onde está este santuário, ao voar de seu refugio nas montanhas para dentro de seus pântanos e assim de volta sucessivamente. E ainda mais, talvez esteja realmente escondida no interior do santuário a única a solução para se lidar a besta de uma vez por todas (ou então, numa visão bem mais cética, para se livrar do fanatismo sanguinolento dos bárbaros Servos de Annwm e seus sacrifícios humanos). Especula-se, dentro desse ponto de vista, se a grande pedra (o suposto portal das Tylwyth Teg) seria o esconderijo do coração petrificado desse ser fantástico. Ou pior ainda, seria o próprio coração petrificado, e o buraco seria uma peça de encaixe no corpo do monstro. Se isso for verdade, cultuar a pedra poderia estar aumentando o poder da fera, ou pior ainda, a ausência de um culto constante ao órgão extraído poderia vir a enfraquecer gradualmente a magia do santuário. Mais um motivo para se temer os sacrifícios exigidos pelo druida "Boca de Annwn" da Tribo dos Filhos do Verme.


 

Já as lendas tardias cristãs tentam associar o Bosque Azul como sendo o local onde José de Arimatéia teve um presságio divino. Em suas andanças e peregrinações pela Britânia, exausto e amedrontado com os demônios pagãos que assombravam sua viagem, o santo teria tido uma visão da Virgem Maria, enquanto descansava e rezava, protegido pelas árvores do santuário. O local então seria um refugio natural da Fé Verdadeira, ponto de partida entre o diálogo desta com os equivocados pagãos, que cultuam a legião de Satã disfarçada de deuses britânicos. Alguns cristãos celtas, que aceitam os deuses antigos como máscaras da Santíssima Trindade, afirmam que este mesmo José, antes de fundar a primeira igreja na Cornualha, teria evangelizado uma pequena tribo de selvagens, com pinturas azuis nas suas faces e corpos, que viviam no interior do bosque, que na época era um descampado. Mais tarde, estes selvagens catequizados, ao serem enterrados ao modo cristão, tornaram-se as próprias arvores protetoras do local, como que por milagre divino. Essas árvores assim protegeriam tanto os pagãos quanto os cristãos, tanto por herança quanto por devoção, aguardando a vinda do Messias no Juízo Final para voltarem a andar novamente, agora como Entes do Senhor. Dentro dessa visão, a grande pedra perde sua importância pagã ou mesmo ganha um status cristão, passando a ser o altar onde o peregrino cristão teria batizado e convertido os selvagens.


 

Conta ainda uma tradição iniciática recente de Avalon, cheia de significados místicos intricados, que a avó de Viviane encontrou aqui um nobre cavaleiro cristão (presumivelmente o próprio José de Arimatéia, visto que a antiga fé não nega a existência da nova, ao contrario do que fazem a maioria dos cristãos). Ambos se teriam se apaixonado e se amado loucamente, sob a proteção do bosque, durante todo um ciclo lunar. Somente após abandonarem o local, retornando para seus séquitos, teriam se desentendido seriamente, terminado assim suas relações amorosas. Este seria o real motivo, segundo essa tradição, da rixa entre os Cultos Antigos e a Santa Igreja. Qual o significado dessa paixão arrebatadora e lasciva? Porque um ciclo lunar inteiro de amor? Qual o verdadeiro desentendimento teria causado o rompimento entre a então Dama do Lago e o Peregrino Cristão? Só os iniciados da Ilha de Avalon saberiam a resposta. De qualquer forma, o miasma criado pelo incessante amor entre pagão e cristão teria inundado a terra do Bosque Azul e este seria o motivo de seu território neutro, fértil e fecundo. Variações dessa tradição, passada pelos antigos devotos do paganismo agora convertidos ao cristianismo celta, dizem que o Cavaleiro em questão seria realmente José de Arimatéia. Este teria caído em tentação ao se deitar com uma bruxa pagã que o teria seduzido com suas artimanhas e feitiços diabólicos. Ao perceber o que fizera, teria se arrependido, interrompendo o coito com a prostituta do demônio, fugindo apavorado e nu para Cornualha, onde fundaria sua igreja como prova de sua vergonha. Talvez, segundo estes, o bosque teria então em sua terra seu solo a semente de José, que ele não teria deixado dentro do útero da concubina de Lúcifer, mas esparramado pelo solo durante sua fuga. A resposta dos sacerdotes de Avalon para essa corruptela de sua lenda afirma que a então futura Matriarca da ilha não quis se subjugar aos conceitos machistas, intolerantes e desiguais do santo cristão (nem nos ideais e nem no leito de amor) e ela sim foi embora do bosque, abandonando com o coração partido para de volta para Ynis Wydryn após satisfazer seu desejo pelo forasteiro. E assim, teria escorrido de suas pernas nuas, enquanto partia, a mistura de sua fecundidade com a do santo, se esparramando no chão, adubando o solo das árvores com amor e fé de ambos Cultos e Igreja. Outras sacerdotisas, essas um pouco mais sarcásticas, dizem que, na verdade, o cristão teria perdido sua potencia sexual ao final do ciclo lunar e por isso sim fugido de vergonha deixando Viviane frustrada. De qualquer forma, com o efeito, a grande pedra apenas simbolizaria o local onde se deitaram macho e fêmea, e o buraco no centro apenas serviria para lembrar a falta desta união carnal e amorosa entre os representantes de ambas as religiões da Velha Britânia.


 

Numa versão bem diferente dessa historia, contada pelos seguidores de Morgana e pelos poucos peregrinos e viajantes que passaram pela sua Torre Solitária, revelaria que o lendário Arquidruida Balise, poderoso tutor do próprio Merlim, teria raptado a irmã de José de Arimatéia dos braços do próprio marido cristão para tomá-la como escrava-amante. Para se esconder dos estrangeiros seguidores do Cristo, o hábil raptor teria sacrificado uma das raríssimas pedras mágicas (especificamente de magias de proteção e ocultamento), espalhando seus pedaços por todo o bosque. Uma variação dessa lenda ainda diz que a pedra despedaçada era, na verdade, ainda mais rara: Seria uma das pedras de magia de amor, para assim poder aproveitar bastante suas núpcias com sua amante cativa. Como quem conta um conto e aumenta um ponto, já se especula que teriam sido os dois tipos de objetos mágicos sacrificados pelo lascivo feiticeiro em nome de seu desejo. De qualquer maneira esta história ainda diz que José e seu cunhado, para salvar a irmã raptada, guiados por um espírito-protetor que os cristãos chamam de Anjo, espalharam também pelo bosque alguns pedaços desfiados da própria mortalha de Jesus, que o santo traria sempre consigo de Jerusalém, no intuito de protegê-la das magias amorosas do mítico Arquidruida. Por fim, uma ultima variante, bem mais recentemente, surgida junto com o inicio da Demanda do Santo Graal, conta que na verdade o santo de Arimatéia e seu cunhado teriam na verdade derramado quatro gotas do conteúdo do Cálice Sagrado nos portais dos elementos nos quatro cantos ou direções do Bosque Azul, (Norte - Ar, Sul - Água, Leste - Terra e Oeste - Fogo). Fazendo isso estaraiam santificando o local para tentar imunizar as bruxarias luxuriosas de Balise. Uma grande lasca da pedra mágica do druida, um grande pedaço da mortalha do Messias Crucificado ou ainda uma quinta gota do Cálice poderia ter sido derramada no buraco da pedra sagrada do santuário. Ou ainda, num exagero, todas essas coisas juntas.

    

Independente de sua origem factual existe, escondida em todas essas histórias, lendas e suas variantes, uma tentativa real de se explicar não só a proteção divina do bosque, mas principalmente a tentativa de dar um porquê do local ser igualmente sagrado para ambas grandes devoções da Velha Britânia. Mais ainda: porque lá, aparentemente, tanto os feitiços e magias pagãs quanto a fé verdadeira e ritos dos cristãos são igual e poderosamente beneficiadas. Oráculos e Santos de grande sabedoria concordam em apenas um aspecto: Lá, a força criativa do mundo se protege da entropia que a tudo quer findar, enquanto que, fora deste santuário, a realidade se torna cada vez mais escassa, banal, cética, cínica e moribunda.


 

Leia os três livros das Crônicas de Avalon – Sistema D20 da
Conclave Comic Shop e Editora

 
 


 


 

23 de fevereiro de 2010

“Praia de Copacabana” sem 51 clichês

Desço no sentido contrário ao dos carros da minha moradia de concreto. Falo da Rua República do Peru, que segue até a Toneleros. Vou para o outro lado. Sou imediatamente bombardeado por sensações: nos pés, primeiro o solo duro de pedra portuguesa, depois é macio, até ficar úmido; no corpo, a maresia e luz intensa preparam-me como a um peixe assado; já o som que ouço é aquele mesmo de quando aproximamos uma concha aos ouvidos e fechamos os olhos. E me deparo então com a doce verdade: estou no meu resort gratuito, meu oásis pessoal. Estou, por fim, em casa. Sigo nesse estado sinestésico de Posto em Posto até a sede do Marimbás. Chego a ensaiar uma ida ao Arpoador, mas não me arrisco a tanto. Retorno ao que me é certo e conhecido. Contemplo tudo a minha volta, sou aquilo todo, de uma só vez. De repente, meu olhar é capturado pelo vôo livre e distraído de uma gaivota. Sou como ela, na eminência do mergulho, beirando o abismo, donde tiro meu alimento para poder voltar a voar. E sobreviver a mais um verão.

“Praia de Copacabana” sem 51 clichês
Rio, 10 de Janeiro de 2007

21 de fevereiro de 2010

Sonho do Pai - dialogo totalmente inspirado em um conto de F.Kafka

Aposento de vidro a esquerda do alto da parede, entre o portão e o castelo, em Berlim de cancelas.

- Senhor, não temos muito tempo! Logo o seu filho completará o trajeto...

- Nossa, como foi bom subir até aqui... Espere, o senhor é cego?

- Sou apenas um secretário...

- Que extraordinário! Ah, posso aplicar essa vacina aqui, em mim mesmo, então?

- Pode, mas primeiro devo lhe falar... Não, melhor deixar que eu aplique no senhor...

- Obrigado, mas eu sei como fazer sozinho. Ai! Bom, pronto, pode falar.

- Logo seu filho estará aqui, o doutor quer que o senhor diga a ele que...

- Deve ser um professor muito ocupado, mas que generosidade lhe enviar! Extraordinário, ele...

- Isso não importa, mas sim a mensagem! Diga ao Franz que...

- Olha! Daqui posso vê-lo, ele está conseguindo subir. Que danado. Vou lá falar com ele. Filho!

- Não, espere... Sr. Kafka? Já se foi... Diabos! Bem que o doutor disse.


Rio, 11 de Janeiro de 2007

20 de fevereiro de 2010

Sámkhya

Texto antigo, perdido no meu backup

Sámkhya é o dárshana (ponto de vista) do hinduísmo que constitui o respaldo teórico do Yôga. Essas duas filosofias (teórica e vivencial) estão conectadas de maneira tão intrínseca que mal podem ser estudadas separadamente. O Yôga, metodologia prática, busca através de técnicas o que o Sámkhya procura pelo conhecimento teórico: a libertação.

Para alcançar o estado de libertação denominado kaivalya, a consciência faz o caminho de volta da criação: o retorno ao discernimento entre púrusha e prakrití. Vale notar que referimos aqui à criação do mundo como um ato psíquico, que não acontece no tempo e no espaço. Púrusha é a essência final (ou primitiva) do homem. Sendo consciência pura, ele é o observador imóvel que contempla em silêncio o movimento da prakrití. Ele é distinto e independente. O púrusha é o motor imóvel da prakrití, a natureza primordial.

A prakrití é a única que se manifesta. Ela o faz por influência do púrusha e através da emissão de um princípio (tattwa). Este princípio gera outro princípio e, assim, forma uma névoa de manifestação que esconde o púrusha, embora este permaneça impassível diante de tal espetáculo de transmutação. Os tattwa são, portanto, etapas da manifestação do universo. Cada etapa, cada tattwa deve ser superado pelo yôgin para que este alcance, novamente, o púrusha.

O primeiro tattwa, portanto a primeira manifestação da prakrití, é chamada buddhi, inteligência pura e informal, supra-racional e supra-individual, que consegue discriminar o púrusha da prakrití. Buddhi se desdobra em ahamkara, a noção do eu (ich freudiano, vulgarmente ego), que introduz na consciência a oposição entre sujeito e objeto. A partir daí, inicia-se a grande confusão, pois o eu, que é prakrití, natureza, pensa que é púrusha, consciência. Ou seja, ele confunde o self com os estados psicomentais. A partir de então a prakrití se manifesta em fenômenos objetivos e psicofisiológicos que se diferenciam pela fórmula dos guna (atributos), isto é, de acordo com a predominância de cada guna, que são: sattwa, rajas e tamas.

O guna sattwa tende à iluminação, rajas gera atividade e movimento e tamas é o fator de resistência e obstrução. Qualquer coisa se esforça por realizar o seu estado "sáttvico", seu ser, superando sua condição "tamásica", inerte, através do esforço "rajásico", ativo, de vencer obstáculos. Tais atributos nunca se anulam, estão sempre presentes em toda manifestação de prakrití, mas têm uma relação de equilíbrio e tendência. O púrusha, por não ser parte da prakrití, não possui atributos.

A ignorância do eu é a causa de todo sofrimento. O objetivo do Sámkhya e do Yôga é suprimir o sofrimento ou as confusões da consciência através da libertação (moksha). Não cabe a nenhuma destas filosofias questionarem o porquê da confusão entre consciência e manifestação e aí está a sua praticidade. Tal questionamento é inútil, pois ultrapassa a capacidade da compreensão humana. O objetivo de ambos os dárshanas é fazer o caminho inverso através dos tattwas, superando cada etapa, alcançando estados de consciências mais elevados até superá-los, superando o eu e vislumbrando o discernimento entre púrusha e prakrití.

É importante esclarecer que a prakrití não tem um fim em si. Sua finalidade é o púrusha. Sua manifestação afasta o homem de seu conhecimento primitivo, mas deixa sempre o caminho livre para aquele que é capaz de enxergar o caminho da libertação. O impulso da prakrití é orientado para a libertação do púrusha, como se tudo fosse um grande espetáculo cíclico cuja razão de ser não somos capazes de compreender.

9 de fevereiro de 2010

Ações do AutoClaudius

Ações da cena do AutoClaudius (ver post anterior)
O ator está semi despido, sem figurino, sem proteção. Ciceroneia a entrada da platéia, apresenta-se como um ator desconstruído, uma marionete quebrada e falha. Exprime raiva como um lobo ferido pelo tiro dos caçadores. Uiva para a lua.
O ator expõe seu cenário-carcaça. Desfaz e faz que nem lhe viu, começa a manipular as peças do tabuleiro. Arma a arapuca com a qual seu irmão-pai será pego. Seus sentimentos são flor, mas sua pele é grossa e de espinhos. O ator é rosa vergada como bambu ao vento, parábola de Confúcio na mão de Buda. A maquina da cabeça é grande, a do pau é maior, mas a do coração não tem tamanho. O ator agora é um rio de sangue, se liquidificando sobre as bandeiras.
A revolta ocupa a cena. A luz torna-se negra, o ator ascende a extensão, saca da espada como um Arthur bastardo, um Mordred nobre. Ele gira a espada por entre as eras, e destrona a caveira sem corpo. O escalpo dos miolos do Rei esparramados pelo chão eram as possibilidades aprisionadas em sua falida majestade.
O ator ocupa o espaço do Rei e se ocupa de lidar com o seu reinado cadáver. Corrompe-se enquanto rompe as barreiras e monta a ratoeira desmontada. Ele é a força agora, a repressão, o novo líder, vazado.
Arrepende-se, reza de joelhos por redenção, mas sabe que as portas do céu estão fechadas para usurpadores. Maquiavel bem que o avisou. Yôda também. O lado negro é o avesso do avesso do avesso do avesso. O cenário está montado. Agora a musica entra para começar o fim.

Autoclaudius

Esse texto foi criado em forma de colagem utilizando apenas as palavras (na ordem que eu quisesse) de Hamlet Machine de Heiner Miller como um monólogo do personagem Claudius, o tio de Hamlet
para montagem dessa peça .

"O meu papel no drama de Hamlet não é nada. Meu drama é a revolta contra o governo da casa, contra uma dúzia de atores de televisão. Grito na ânsia por mais poder.

Na luta por postos, votos , contas bancarias, penduro pelos pés a minha carne uniformizada. Sou o homem blindado, um edifício de pedra, a pele impermeável, a prova de bala. Meu ego atrás da caixa, sangrando frente aos meus pensamentos contra mim mesmo.

Não interessa. Começa-se a desarmar a cena. Meu papel realizar-se-ia na época da rebelião. O tempo apropriado para a derrubada das normas de trabalho se aproxima. Morte aos líderes cadáveres.

Hoje entro nos orifícios arrojados das mulheres da platéia. Vejo-me entre três delas. Sem cortejo, sugam com a boca o meu monumento oficial. Apelos por mais saliva. Ecos de gargalhadas.

Sou reverenciado pela multidão de hipócritas. Não alimento prisioneiros. Mato os que não estão de acordo com minhas mentiras. Sou a faca de escrever, o atirador de dados marcados.

A dignidade apodrece lenta no consumo nosso de cada dia. A petrificada prisão de mim mesmo jaz secreta. Perdeu-se a alegria. Esperança? Não importa mais. "

8 de fevereiro de 2010

Diante de mim estão várias angustias diferentes, tão variadas e pessoais, que se somam e apenas para nos comunicarmos tentamos classificá-las como experiência humana. Elas foram instruídas e educadas de forma diferentes, mas quase sempre visando o mesmo fim. Essa minha platéia diante de mim espera que eu lhes entretenha, que eu alivie suas pendências, que eu exorcize seus demônios. Que eu comunique de forma dada uma mensagem à qual eles possam filiar de forma direta e se reconhecer nessa identificação coletiva. Mas e se eu não me mexer? E se a minha obra não couber em uma moldura regular? Se o que eu quiser não tiver um entendimento lógico que se comunique de forma fácil com o que esperam de mim? Será que eu serei capaz disso? Será que eu conseguirei mergulhar nessa multiplicidade s, sem hierarquias, sem formas nem fórmulas rítmicas? Será que isso também é música? Será que minhas mãos não vão tremer e eu sem pensar vou voltar para o que antes me era direto e quase involuntário no meu processo criativo? É só isso que eu quero, o ineditismo? Ou será que a minha reinvenção como artista é uma fraude? Não sei, só posso saber se experimentar. Só saberei se tentar. Se encarar o que me propus e fizer frente a todas as expectativas, frente a todos os anseios, dúvidas e expectativas, em conjunto, como uma orquestra, minha e da platéia. Se os níveis de significação forem diversos, como poderei explicar o que se processa em mim? Será que é pra explicar? Repito: é pra explicar? E se eu só quiser som e fúria, ruídos aleatórios e respiração infrequente? Se isso pra mim e pra quem se deixar levar for música, talvez mais música do que a música que conhecemos até agora? Será que a mera vivencia do momento o torna arte? Tem distancia entre vida e arte? Ou a distância é dada quando entendemos arte somente como mimese? Porque todos os sons possíveis desse momento não serão musica para quem os ouvir? Mas e se todos entenderem, se eu estiver subjugando a capacidade sensível daqueles que me assistem, então terei falhado? Não, se isso se der, então eles terão entendido, mas terão sentido, e assim, pelo menos uma vez TUDO fará sentido...

6 de fevereiro de 2010

Monólogos dos amantes

Cenas que escrevi pro Sonho que fiz na faculdade. A que eu fazia era baseada num antigo post desse Blog. Entre parenteses estão os atores que diziam esses textos (na verdade as atrizes e o unico ator era eu mesmo)

18 ‘a chave’ do daniel – Amante M (Marcelli)

AMANTE: Vou buscar a chave para abrir a porta de uma nova casa, uma nova vida. Nossa casa, nossa vida, a vida de felicidade e amor que eu sonhei desde sempre vai começar agora! Eu não sabia, não suspeitava que de fato aconteceria, que seria real, possível. Foi então que te encontrei. No dia que te vi eu pensei: acho que aquele velho sonho de ser feliz está prestes a acontecer. E como eu fui feliz, e como eu sou feliz, e como você me faz feliz. Saber que a minha vida vai continuar a ser contigo como até agora foi e que quando a noite chegar, porque ela chegará, você será a última pessoa que verei antes de fechar os olhos. O que posso querer mais? Cada dia que eu viver será com você. E os dias serão como nós dois: calmos, felizes, apaixonados, meu amor.

19 ‘decote’ do daniel – Amante D (Daniel)

AMANTE: Acho que o que rola é que eu fico assim, sem jeito total de falar pra você que tudo, tudo, tudo é bom demais na tua presença. Nem sei quando começou. Sempre foi. A gente se esbarra na fila do teatro, você me reconhece de uma peça, eu fico completamente sem graça e você acha fofo. Eu perdido na escuridão dos teus olhos, fico sorrindo do teu sorriso, sem deixar de reparar essas pequenas pintinhas que você tem, em volta dessa tua pele tão branquinha, do teu jeito extrovertido e estabanado e fico sem graça de novo quando não consigo deixar de olhar o teu decote. Você sorri como se estivesse na vantagem, e é isso mesmo, é como se fosse um truque de mágica. Pá! Fico vidrado, curioso... A fila andou, você sumiu. Penso em te ligar, não ligo. Por isso fico andando pelas ruas, vou aos bares, teatros, cinemas. E, um dia, sem querer, lá está você em outro decote. Acho que o que rola é que eu fico assim, sem jeito total de falar para você que tudo, tudo, tudo é bom demais na tua presença.


20 ‘me conta’ do daniel – Amante J (Jaque)

AMANTE: Me conta, como você me agüenta? Você sempre divide comigo o último Yakult, me manda mensagens sobre os aniversários do dia, me cobre quando acorda de madrugada, me abraça gostoso quando chove ou quando eu choro assistindo de novo o Yôda morrendo no “Império Contra Ataca”... E ainda sorri no dia seguinte e diz que eu sou a mulher da sua vida. Mesmo nos meus momentos mais ridículos. Especialmente neles. Como eu te amo.

21 ‘seu sorriso’ do daniel – Amante N (Natalie)

AMANTE: Descobri! Você tem um sorriso lindo em uma foto que eu tirei de ti há alguns anos atrás!!! Um sorriso para mim que não se repete em nenhuma outra. Pesquisei e o meu-sorriso seu é único. Um sorriso para mim, para o meu olhar. E ontem, depois desses anos todos, você sorriu daquele jeito para mim outra vez. Foi por isso que eu não acreditei quando você me disse adeus. Foi aí que descobri. Foi por isso que eu pensei em tudo – pensei, armei, planejei: vinho, meia luz, caminho de pétalas, Chico Buarque, velas em forma de flores, morango... Planejei tudo pra te reconquistar. Só não contava com teu sorriso ao me ver. Só não contava que a saudade ia acabar com os meus planos e ceder aos teus. Inclino minha boca sobre ti e ao me afastar trago comigo a tua alma. Como você poderá me dizer adeus e viver sem mim? Como poderemos?

4 de fevereiro de 2010

A volta do ator à sua home


O ator está sentado em uma mesa, cheia de livros sobre a arte, sobre Hamlet e sobre auto-ajuda.
Ao seu lado direito, numa televisão, o Hamlet de um ator inglês clássico está monologando em preto e branco.   No plano baixo a frente da tevê, cartas estranhas de tarôt em punhados dispostas em círculo . Do outro lado, de forma simétrica, um “escudo do mestre” de RPG.
Pouca luz, ele coloca a luva de tesouras, de garras, sua arma ninja. Mas as tesouras são invisíveis, elas não cortam. Elas não danificam. Melhor pegar em armas? O ator está vestido de apresentador pateta, que vai discursar com a autoridade de uma Barbara Heliodora gótica sobre o solilóquio de Hamlet. Faltam-lhe as palavras, ele gagueja, não sai natural. Natural de cú é rola.  Ele olha par o Hamlet vídeo,  vislumbra alguma luz em final de um longo túnel interditado pela chuva. Mas as luzes das saídas de emergência estão apagadas. O vídeo fala, mas não dialoga. Ele é um bobo da corte, morto em sua incompetência de pensar o que falar de um Hamlet. Precisa ele ser Hamlet? Precisa? Mas como não... Ele pega seu telefone celular e liga ao acaso para algum amigo de oficio, como um desesperado, dentro de  prédio em chamas, em busca de um bombeiro nova iorquino, pronto pra ser retirado do alto de sua torre avariada. Quando o telefone atende (seja a pessoa ou caixa postal) o ator/vitima sente pela voz/recado que o bombeiro não pode socorrê-lo, e, aceitando seu destino/acaso, impõe sua poesia rota e carcomida. O ator-vítima tem um rompante, vai tentar ser Hamlet. Não consegue. Não consegue. Não consegue. Frustrado, ele tenta. A roupa para tirar é difícil, a atenção-tensão da platéia está sobre ele,  há expectativa, duvida, olhar de zombaria. Ele re-tenta. Não vai dar.
Vai se vestindo, se despindo, à vista e escondido, ao mesmo tempo em que liga pra outro numero, na verdade, agora ele quer dizer para algum amigo de oficio aleatório, representante da mídia e do status quo do entretenimento barato e raso que ele vai pular em Hamlet.  Mas mesmo a queda é difícil, pois ela parece que não termina... E ela não termina. Hamlet em queda, em vertigem, sem amparo e zonzo, não consegue vestir-se. A roupa está estranha, muitos já usaram e deixaram seu numero nela. Enquanto muda de roupa, troca de cena na tevê. Surgem mais Hamlets; do Kenneth, do Brook, Ensaio.Hamlet , Animaniacs , todos como um turbilhão de referências, formas, poética, parodias, recontextualização, crítica, desafio . A bota é do Didi. Mas não o Didi Mocó,  da sua Turma, dos Trapalhões.... Didi de Godot. Ela é difícil de calçar, dói, está apertada.  “Tá apertado, mãe”. Alguem já disse isso. Pause na tevê, a imagem está congelada no inconsciente. Ele pega a Caveira. A Caveira do bobo-babá guarda o cérebro do espantalho de OZ. É de plástico, mesmo o espantalho sendo de feno. Cérebro do espantalho de OZ? Que diabos isso está fazendo ai???????
Ele leva a caveira pra tirar a sorte no Tarôt da Vertigo/DC. Mar de cartas estranhas com seus arquétipos Junguianos, desenhada de forma gótica. Ele atira cartas ao chão. Elas não são visíveis, mas estão lá. Vai jogando até que aparece a Morte/Death. A Carta da Morte , estilizada, trás uma rosa azul. A rosa azul salvaria Hamlet, salvaria o ator, salvaria a platéia. Mas ela está dentro da carta. Então ele entende. Tudo é um jogo, ele é um jogador. Ele só gostaria que o jogo fosse mais justo, mas é um jogo, tem que jogá-lo. Jogo. Dados. Interpretação de papeis. Roleplaying. Fudeu. Não tem jeito. O ator/Hamlet/fracassado vai entrar em cena. Ele sabe que lá fora o mundo está morto e doente, mas os canibais querem devorá-lo. Ele está pronto para o sacrifício. Vamos comer Hamlet? Que gosto que o príncipe da Dinamarca tem? Será podre como o que vai por lá? Polônio e Claudius já saíram de cena. É agora, cena. Ora de entrar... Em cena.